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résumés en portugais (depuis 2011), traduits du français par Mariana Ferreira Gomes Stelko

N° 50/2023 – A reprodução e as suas injustiças

Sarah Franklin, propos recueillis par Delphine Gardey
40 anos de reprodução medicamente assistida: uma leitura antropológica e feminista
Nesta entrevista, Sarah Franklin faz uma retrospectiva de sua carreira, sugerindo maneiras de abordar as transformações que ocorreram no campo da reprodução medicamente assistida nos últimos 40 anos. Com suas investigações sobre medicina regenerativa, clonagem ou os mercados de tecidos e serviços reprodutivos, Sarah Franklin é uma figura importante na análise das mudanças médicas e sociais contemporâneas no campo da reprodução e do parentesco. Ela segue os passos de críticas feministas pioneiras da antropologia cultural, da tecnologia e das ciências, como Marylin Strathern, Shulamith Firestone e Donna Haraway. Ela destaca as questões políticas e científicas em jogo no uso de tecnologias reprodutivas e as transformações que ocorreram na definição de parentesco. Ressaltando a importância dos direitos conquistados pelas pessoas LGBTQ+, ela questiona os limites dessas transformações, mobilizando a questão da “justiça reprodutiva”.

Virginie Rozée, Élise de La Rochebrochard
RMA na França: Reprodução das desigualdades de gênero?
A reprodução medicamente assistida (RRMAMA) tem uma relação complexa com o gênero: ela permite que as pessoas se libertem das normas de gênero dominantes e, ao mesmo tempo, (re)produz a reprodução estratificada e, portanto, as desigualdades de gênero, classe e raça. Em 2010, escrevemos um artigo sobre a RMA na França, no qual mostramos que, na forma como foi enquadrado, organizado e praticado, a RMA refletia a norma de procriação e, portanto, excluía todos aqueles que não se adequavam a ela. Qual é a situação hoje, após a revisão da Lei de Bioética em 2021? Com base em nossos vários projetos de pesquisa, mostramos que a lei é um passo à frente por ser mais inclusiva, mas que o acesso à RMA continua modelado em uma representação de gênero do trabalho de procriação.

Solène Gouilhers, Delphine Gardey, Raphaël Albospeyre-Thibeau
Da esterilização imposta à preservação da fertilidade para pessoas trans: médicos do trabalho em ação
Este artigo analisa os compromissos práticos e normativos dos profissionais de saúde em favor do acesso à autopreservação de gametas para pessoas trans na França e na Suíça. Enquanto a esterilização era imposta às pessoas trans para obter uma mudança legal de sexo, recentemente a atenção se voltou para a preservação da fertilidade. Com base em uma pesquisa baseada em entrevistas com médicos especializados em transição e reprodução, descrevemos como eles estão se esforçando para normalizar o acesso à preservação de gametas para pessoas trans. Ao oferecer instalações administrativas, técnicas, espaciais e relacionais que vão além do gênero e da procriação, elas e eles estão desenvolvendo apoio prático para tornar mais inclusivas as infraestruturas médicas de fertilidade historicamente cis-heteronormativas. Por meio dessas práticas cotidianas de atendimento, elas estão ajudando a moldar tanto a lei quanto os locais de atendimento, assumindo um compromisso com os direitos reprodutivos das pessoas trans.

Mwenza Blell, Riikka Homanen
Justiça reprodutiva na Finlândia? O mito da homogeneidade em uma social-democracia nórdica
Embora a social-democracia finlandesa seja baseada na igualdade social, a justiça reprodutiva ainda não é uma realidade nesse país. As causas dessa situação são exploradas por meio de duas etnografias sobre tecnologias de reprodução medicamente assistida e, mais especificamente, sobre falhas no tratamento igualitário ligado a raça, classe, gênero e sexualidade. Entrevistas com pesquisadores e profissionais de saúde finlandeses revelam os efeitos, o peso do passado e as lógicas que levaram a essa desigualdade de acesso aos cuidados com a saúde reprodutiva, como a perpetuação do mito da homogeneidade branca e o legado da eugenia, a concentração de poder e de decisões éticas nas mãos dos médicos, a interpretação da discriminação como um problema de recursos, a negação das desigualdades e um apego puramente ideológico ao estado de bem-estar social que torna invisível a realidade da discriminação.

Laura Mamo
Rumo à justiça reprodutiva queer no centro das bioeconomias transnacionais
Este artigo enfoca a expansão transnacional da procriação medicalmente assistida e levanta a questão dos comportamentos responsáveis para adotar no contexto das bioeconomias do século XXI. Mais especificamente, ele analisa as representações associadas às famílias de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e queer (LGBTQ+) e a maneira como as pessoas LGBTQ+ realizam seus projetos parentais nas condições atuais. Este artigo propõe uma grade analítica original de “justiça reprodutiva queer” (QRJ), que deve possibilitar a compreensão e a expressão da variabilidade de opressões e de oportunidades encontradas nas várias tentativas de formar uma família, sem nem demonizar, nem valorizar certas configurações familiares específicas. Em suma, essa abordagem deve ajudar a estabelecer um comportamento responsável.

 

n°49/2023 – LGBTQ no trabalho

Lisa Buchter
Militância interna : as estratégias das redes profissionais LGBT
Apesar do aumento das políticas de diversidade na França desde os anos 2000, poucas empresas e instituições administrativas se dedicaram à questão do combate à homofobia e à transfobia. Com base em uma análise textual e longitudinal dos arquivos, complementada por entrevistas, o artigo examina as estratégias de cinco redes internas lideradas por “empregados.as militantes” engajados de maneira visível com a causa lgbt em seu local de trabalho. Estas redes internas em grandes empresas ou administrações estão, elas próprias, desenvolvendo recursos e serviços de prevenção e sensibilização, e estão usando a reputação dos empregadores no compromisso com a diversidade como alavanca. A medida que esses atores ganham visibilidade e legitimidade dentro de suas organizações, eles podem expandir o espectro de suas demandas e o perímetro de suas ações, denunciando cada vez mais vigorosamente a inação de seu empregador em relação à discriminação contra minorias sexuais e de gênero. Mesmo que proponham ações moderadas ou reformistas, estas redes estão ajudando a transformar internamente as políticas de recursos humanos.

Alice Caudron
Carreiras queer e (des)engajamentos profissionais : em busca de uma radicalidade sustentável
Em inglês, o termo queer significa “esquisito”, “sombrio”, mas também “bicha”(“pédé”) ou “sapatão” (“gouine”). Este insulto tem sido progressivamente reapropriado pelos visados para torná-lo uma bandeira política. Esta expressão, reivindicada por coletivos, às vezes é traduzida na França como “transpédégouines”. Este artigo visa contribuir para o campo da pesquisa emergente sobre a intersecção de trabalho, emprego, orientação sexual e identidade de gênero, com base em um levantamento de pessoas que se auto identificam como bichas, membros de um subgrupo minoritário (em sua maioria bissexuais ou pansexuais, muitas vezes trans), e que são politicamente próximas dos círculos anarquistas e libertários. Ele se propõe a questionar os laços recíprocos entre carreiras queer e carreiras profissionais, estudando pessoas queer como ativistas, mas também como pessoas engajadas em trajetórias sociais cuja sustentabilidade não é a priori adquirida. O artigo esta baseado em cerca de sessenta entrevistas biográficas com pessoas que participam ou já participaram do movimento ou meio queer, contatadas através de coletivos queer (festivos ou políticos) e redes sociais, depois por bola de neve. Os queers pesquisados são divididos em três polos, de acordo com suas características sociais e idade : “radicalidade queer cara”, onde a primazia dada ao estilo de vida queer é alcançada em detrimento ao emprego ; “fazer uma carreira queer”, onde a esfera profissional é vista como um lugar de luta a ser investido e subvertido (saúde, educação e trabalho social) ; finalmente “distanciar-se da comunidade queer para fazer carreira”, quando o estilo de vida queer transgressivo se mostra incompatível com as normas do meio profissional.

Hadrien Clouet
Youmna Makhlouf, uma defensora das liberdades sexuais no Líbano
Nesta entrevista realizada em Beirute, a advogada e ativista libanesa Youmna Makhlouf descreve sua luta pela descriminalização das relações sexuais entre adultos que consentem, que atualmente é impedida pelo Código Penal libanês, que proíbe as “relações carnais contra a natureza”. Amplamente utilizado contra pessoas lgbt, este artigo do Código Penal é cada vez mais controverso e sujeito a interpretações variadas e contraditórias nos diferentes tribunais. Assim, ao detalhar a dinâmica da repressão anti-lgbt no Líbano, Youmna Makhlouf faz um estudo sociológico do Direito que está atento às normas dos atores sociais que o formulam e ao poder discricionário de certos agentes. Além disso, ela compartilha sua estratégia política de subverter os tribunais, forçando seus.suas interlocutores.as a deixar de lado a máscara da neutralidade judicial.

Estelle Fisson
A diversidade é solúvel na luta de classes ? Direitos lgbt, um novo desafio sindical
As políticas antidiscriminação nas empresas têm sido rotuladas como “o cavalo de Tróia do neoliberalismo”, especialmente desde que foram realizadas inicialmente sem os sindicatos. Embora não se deixem enganar pela retórica gerencial, os sindicatos estão tentando se reapropriar da luta contra a discriminação, reinjetando uma dimensão política. Este artigo questiona as razões, modalidades e obstáculos para a consideração da discriminação contra pessoas lgbt pelos sindicatos de trabalhadores na França e na Espanha, a partir dos anos 2000. Ele se baseia em um levantamento etnográfico realizado entre 2019 e 2021 dentro da cgt francesa e da cc.oo. espanhola, e em arquivos sindicais e associativos. Estas organizações sindicais conseguem impor uma abordagem crítica ao capitalismo no terreno do orgulho gay ou no da “diversidade” no trabalho ? O artigo mostra que eles abordam estas questões impregnando seu estilo, sua participação gerando um sincretismo de repertórios de ação e de reivindicações. Uma comparação entre a França e a Espanha mostra que os sindicatos espanhóis estão historicamente melhor integrados na causa lgbt e que a luta contra a discriminação está menos ligada à luta de classes.

Alice Olivier
Homens de qualidade. Gênero e (des)qualificação nas carreiras de ensino superior ditas femininas
Como é qualificado o trabalho dos homens em profissões ‘femininas’, e que percepções isso traz sobre os vínculos entre gênero e qualificação ? O artigo explora esta questão com base em entrevistas e observações realizadas em treinamentos de enfermagem obstétrica e de serviço social, enfocando a prática profissional de acompanhamento. A fim de acompanhar pacientes e usuários, os poucos estudantes masculinos devem demonstrar certas disposições chamadas “femininas”. Muitas vezes consideradas mais óbvias para as mulheres, estas disposições são construídas e reconhecidas como resultado do trabalho no caso dos homens, e como tal são valorizadas. Estes estudantes também são valorizados por seu pertencimento de sexo de várias maneiras, revelando uma qualificação da “natureza masculina”. Finalmente, estes homens são percebidos e, sobretudo, percebem a si mesmos como tendo um profissionalismo marcado, o que qualifica fortemente seu trabalho e desqualifica o das mulheres.

Kristen Schilt
Um cara como os outros ? Como os homens trans tornam o gênero visível no trabalho
Este artigo examina a reprodução das desigualdades de gênero no local de trabalho através de entrevistas aprofundadas com homens trans (FtM, Feminino para Masculino). Antes da transição de gênero, alguns deles tiveram sua primeira experiência de trabalho como mulheres, o que lhes dá uma perspectiva externa específica sobre os benefícios que os homens em geral obtêm com a subordinação das mulheres. Eles descobrem que como homens recebem mais responsabilidade, recompensas e respeito no local de trabalho do que como mulheres, mesmo quando permanecem no mesmo emprego. Suas experiências ajudam a esclarecer como as desvantagens estruturais das mulheres são reproduzidas nas interações no local de trabalho. Eles também ilustram como as vantagens dos homens no trabalho – o “dividendo patriarcal” – variam de acordo com características como raça/etnia e aparência corporal, já que essas vantagens são menos claras para os homens trans racializados e/ou baixos.

Laurine Thizy
Mães de família à beira do leito das abortantes : uma nova estigmatização nos centros de interrupção voluntaria de gravidez
Este artigo trata da gestão da interrupção voluntária da gravidez como é realizada em centros ortogênese hospitalares públicos. O objetivo é mostrar que o controle social das abortantes depende do recrutamento influenciado pelo gênero da equipe médica e de enfermagem. Profissionais de ortogênese, quase exclusivamente mulheres que já são mães, escolhem esta especialidade negligenciada não tanto pela militância, mas para se tornarem mais disponíveis para sua vida familiar, renunciando assim a uma atividade profissional mais valorizada. Tal organização do trabalho faz com que as abortantes estejam em contato com profissionais com uma concepção bastante essencialista das relações de gênero e maternidade. O atendimento proposto se baseia no trabalho de cuidado emocional, que é tanto mais necessário quanto é a principal fonte de reconhecimento no trabalho, na ausência de um alto nível de tecnicidade. Este trabalho de cuidado, que não é muito politizado, corresponde entretanto às expectativas de gênero com relação às usuárias e, paradoxalmente, contribui para reiterar a estigmatização do aborto.

Tessa Wright
Existe uma “vantagem lésbica” nas profissões dominadas pelos homens ? Uma análise interseccional
Às vezes é sugerido que as trabalhadoras lésbicas têm uma “vantagem” sobre suas homólogas heterossexuais : elas teriam salários mais altos, seriam consideradas como mais competentes e seriam menos alvo de atenções sexuais indesejadas e de assédio sexual.
Este artigo questiona a existência dessa tal vantagem com base em pesquisas qualitativas comparando as experiências de mulheres lésbicas e heterossexuais empregadas em três setores dominados pelos homens no Reino Unido : o serviço de incêndio, construção e transporte. Entre as mulheres abertamente lésbicas que trabalham nesses ambientes de trabalho dominados pelos homens, algumas conseguem se integrar mais facilmente nas culturas masculinas e evitar interações sexuais indesejadas. Entretanto, outros fatores complexificam a experiência dessas mulheres : a idade, a classe social e a cultura organizacional. Além disso, estas vantagens são limitadas às lésbicas que se sentem confortáveis com o que pode ser descrito como formas “viris” de comportamento, o que muitas delas não são. Estes resultados destacam, portanto, a necessidade de uma abordagem intersetorial para evidenciar as relações entre gênero, sexualidade e classe social

 

n°48/2022 – Deficiência, género e trabalho

Mathéa Boudinet e Anne Revillard
Políticas de emprego, deficiência e gênero

Como as políticas de emprego para pessoas com deficiência levam em conta a questão de gênero? Com base em uma revisão de literatura e duas pesquisas de métodos mistos, este artigo oferece três contribuições fundamentais para a discussão. Em primeiro lugar, historicamente, as políticas destinadas a empregar pessoas com deficiência foram baseadas em um modelo de trabalhador masculino, herdado em particular da figura do deficiente de guerra. Em segundo lugar, este legado tem consequências diferenciadas de gênero, apesar da neutralização formal das políticas de gênero, devido aos tipos de deficiência que essas políticas visam principalmente. Finalmente, as desigualdades de gênero clássicas são reproduzidas dentro das políticas destinadas aos « trabalhadores deficientes », ligadas, por exemplo, a uma expectativa de disponibilidade total para a busca de emprego, ou a uma hierarquia de ocupações de gênero dentro do trabalho protegido.

Charlène Calderaro
A crítica feminista-marxista: da análise do trabalho doméstico às teorias de reprodução social

O artigo mostra as principais linhas do pensamento feminista-marxista, desde suas premissas nos anos 1920 até seus recentes desenvolvimentos em torno da teoria da reprodução social. Definido como o conjunto de tarefas e atividades diárias necessárias para sustentar a vida e a capacidade de trabalho, o trabalho reprodutivo está no centro destes desenvolvimentos teóricos. Depois de discutir as primeiras críticas feministas ao trabalho de Marx, o artigo retorna ao debate sobre o trabalho doméstico nos anos 70. Em seguida, mostra como o pensamento feminista-marxista evoluiu desde então para uma estrutura mais ampla de análise que permite uma compreensão do trabalho reprodutivo dentro e fora da esfera doméstica: remunerado e não remunerado, reconhecido e não reconhecido. Finalmente, o artigo descreve os recentes desenvolvimentos no pensamento marxista-feminista que revelam uma abordagem unitária das opressões através do desenvolvimento de uma teoria de reprodução social.

Marc Collet e Bertrand Lhommeau
Inserção no mercado de trabalho por deficiência e sexo

Entre anos 2018 a 2020, 37% das pessoas reconhecidas como deficientes e com idade entre 15 e 64 anos estavam empregadas, em comparação com 67% das outras pessoas nesta faixa etária. Além disso, a taxa de emprego das mulheres é 6 pontos inferior a dos homens em 2020 (62% em comparação com 68%). A deficiência tem maior influência sobre as chances de acesso ao emprego do que o sexo: com características idênticas, o acesso ao emprego não é significativamente diferente entre mulheres e homens reconhecidos como deficientes, enquanto os homens têm 1,5 vezes mais chances de ter um emprego do que as mulheres entre as pessoas sem reconhecimento de deficiência. E quando elas trabalham, a diversidade de profissões é muito limitada para as mulheres com deficiência reconhecida: metade dos empregos que elas ocupam está concentrada em apenas vinte profissões. Por um lado, com ou sem deficiência, as mulheres trabalham em uma variedade menor de ocupações do que os homens. Por outro lado, a gama de ocupações para pessoas reconhecidas como deficientes é mais restrita do que a de seus colegas.

Entrevista com Claire Desaint
As mulheres com deficiência, as invisíveis no emprego

O emprego de mulheres com deficiência enfrenta obstáculos crescentes devido à deficiência, à inacessibilidade, mas acima de tudo por serem mulheres. A participação delas na vida econômica é entravada por preconceitos e estereótipos em todas as dimensões do emprego: educação, orientação, recrutamento, desemprego, carreira profissional, articulação do tempo e aposentadoria. Elas são pouco visíveis nas publicações de estudos e estatísticas, daí sua ausência nas políticas públicas sobre deficiência e igualdade de gênero até muito recentemente. As mulheres com deficiências estão entre as populações mais marginalizadas e precárias. É hora da sociedade mudar sua visão das mulheres com deficiências e vê-las não como um fardo, mas como detentoras de talentos, de competências e de especializações. As mulheres com deficiências são agentes de mudança e representam um trunfo para empresas e instituições.

Dominique Masson

Teorias feministas anglo-saxônicas sobre deficiência
Mapeamento dos Feminist Disability Studies

Embora haja uma quantidade crescente de trabalhos sobre o assunto nos Estudos feministas da deficiência anglo-saxões ou Feminist Disability Studies, o objetivo deste artigo é equipar os estudos feministas de língua francesa propondo um mapeamento do desenvolvimento do campo, focalizando suas principais correntes e suas principais propostas teóricas e conceituais. A primeira parte do artigo lembra o essencial dos modelos médicos e sociais da deficiência. A segunda parte enfoca as contribuições das abordagens feministas materialistas da deficiência e a terceira trata das perspectivas feministas pós-estruturalistas e pós-modernas. A quarta parte descreve três desenvolvimentos recentes nos Feminist Disability Studies, ilustrando a influência do pensamento crip e queer, a complexidade das análises interseccionais da deficiência e o surgimento das perspectivas do Sul.

Michel Lallement
Utopia concreta, trabalho e gênero: o caso Oneida

No século XIX, as utopias assumiram uma forma concreta, particularmente nos Estados Unidos. Foram experimentadas múltiplas formas de viver e trabalhar que romperam com as normas dominantes. Oneida (Nova York) é provavelmente uma das comunidades utópicas mais destacadas. Sob a liderança de seu fundador, John H. Noyes, ela inventa novas formas de organização do trabalho ( free labor) e relações entre mulheres e homens ( free love). O artigo mostra primeiro que esta aventura coletiva deve ser analisada a partir da confrontação entre os debates sobre abolicionismo que precederam a Guerra Civil e a utopia de Charles Fourier (como encarnada em seus escritos sobre o mundo industrial e amoroso). Em seguida o artigo mostra os contrastes das inovações na vida comunitária, no trabalho e no gênero na Oneida, e suas principais transformações entre 1848 e 1880.

 

n°47/2022 – O gênero diante das forças armadas

A feminização das forças armadas francesas: entre projeto institucional e resistência interna
Camille Boutron e Claude Weber

A integração das mulheres nas forças armadas se apresenta como um processo inacabado. Iniciado a partir da Segunda Guerra Mundial, esse processo conheceu uma aceleração com o fim do serviço militar obrigatório e a profissionalização das forças armadas no final dos anos 90.

Entretanto, somente a partir dos anos 2010 é que o assunto se tornou uma questão pública. A feminização das forças armadas francesas, mesmo sendo um projeto institucional manifesto, continua encontrando grande resistência dentro do mundo militar.

Além da lógica de reprodução da discriminação sexista, nossa hipótese é que a presença de mulheres nas forças armadas, particularmente quando se trata de assumir funções explicitamente combatentes, transforma um conjunto de representações que comprometem o regime de masculinidade hegemônico que organiza as organizações militares e legitima o uso da violência armada em nome do bem público.

Sem-teto no feminino.
Quando os abrigos para mulheres questionam os serviços de emergência social
Rosane Braud e Marie Loison-Leruste

Este artigo apresenta os resultados de um estudo etnográfico de campo realizado entre novembro de 2018 e outubro de 2019 em abrigos para mulheres sem-teto em Paris. Ele mostra as dificuldades de definir e acolher um público que estava previsto pelos atores et atrizes institucionais e associativos. Longe de acolher apenas mulheres isoladas, pouco socializadas, que recusam acomodações ou estão distantes das estruturas de acomodação existentes, os abrigos tornam visíveis mulheres em situações de grande vulnerabilidade, com características sociais muito diferentes das dos homens acomodados em instalações de emergência comparáveis.
Esses abrigos para mulheres questionam assim o princípio de simplesmente fornecer abrigo de emergência, pois evidenciam necessidades de apoio específicas dessas mulheres que ficaram tanto tempo invisíveis nas representações sociais, nas políticas públicas e na pesquisa científica.

O impacto do programa das Nações Unidas « Mulheres, Paz e Segurança » nas políticas nacionais de integração da perspectiva de gênero nas forças armadas. O exemplo de Portugal
Helena Carreiras, Cristina Rodrigues da Silva, Luís Malheiro

Este artigo trata da influencia do programa da ONU « Mulheres, Paz e Segurança » na elaboração de políticas nacionais de integração da perspectiva de gênero nas forças armadas. Ele destaca os obstáculos e as condições favoráveis para sua implementação. Com base nos dados do caso português, o artigo examina o desenvolvimento de políticas públicas no nível governamental, bem como os instrumentos e mecanismos pelos quais as forças armadas integraram os objetivos do programa. Nos defendemos que a adoção de políticas públicas oficiais é uma condição necessária para uma implementação bem sucedida da dimensão de gênero, ainda que isolada não seja suficiente. Também defendemos que seja dada maior atenção aos meios específicos pelos quais a aceitação de uma política pública oficial é traduzida em prática no trabalho de uma instituição.

Impedimentos na produtividade das mulheres na ciência. O caso de um laboratório de ecologia do Québec.
Xavier Clément

Este artigo é baseado em uma pesquisa realizada durante vários anos em um laboratório de ecologia animal no Quebec. Ele trata das vivências das estudantes, principalmente antes do acesso aos estudos de pós-doutorado, e dos obstáculos para a entrada numa carreira científica acadêmica. Primeiramente o artigo estuda a divisão/valorização do trabalho e dos mecanismos de bloqueio/espoliação do trabalho das estudantes no laboratório. Em seguida, ele trata da eleição dentro do departamento de certos estudantes como futuros « Grandes Pesquisadores » num processo que reflete a desvalorização das estudantes, em estreita relação com a constituição de redes de cooptação preferencial entre os homens. Finalmente, na terceira parte, o artigo trata dos mecanismos de invisibilização desta desigualdade de tratamento entre os sexos. Em um ambiente oficialmente igualitário, mas na realidade marcado pela desigualdade, a marginalização das mulheres é produzida coletivamente de forma discreta, difusa e ambivalente. O artigo ressalta a importância das abordagens etnográficas, que continuam sendo raras, para tratar desses mecanismos.

O serviço militar na Grécia: fabricar « homens de verdade »
Angeliki Drongiti

Baseado em entrevistas semiestruturadas com recrutas gregos e militares profissionais do exército grego, este artigo examina o serviço militar como uma experiência socializante a partir da perspectiva do feminismo materialista e das relações sociais de sexo aliadas com a abordagem goffmaniana das instituições. A ideia central é explicar os efeitos da instituição sobre os indivíduos e evidenciar os mecanismos e funções institucionais para fabricar « homens de verdade ». Este processo de virilização não se baseia apenas em atividades masculinas que servem para masculinizar os jovens: manuseio de armas, exercícios físicos e atos de bravura. Pelo contrário, este aprendizado de dominação se concretiza através da experiência de ser dominado, o que torna o lugar do dominante ainda mais atraente.

Masculinidade e manutenção da paz. O caso dos brasileiros no Haiti.
Isadora Xavier Do Monte

Baseado em quarenta entrevistas semiestruturadas com militares brasileiros enviados ao Haiti em uma missão da ONU, este artigo trata dos relatos elaborados pelos Capacetes azuis para descrever suas atividades de manutenção da paz. Seu principal objetivo é questionar as mudanças da concepção contemporânea do guerreiro em novos contextos de uso da força militar. Esta reconfiguração, entretanto, não questiona os vínculos entre a masculinidade e a militaridade. Os militares oriundos de países periféricos como o Brasil encontram na manutenção da paz novas fontes de afirmação tanto de suas competências militares quanto de sua masculinidade diante de um público internacional. O artigo analisa o aporte desses novos contextos de emprego das forças armadas na concepção contemporânea do guerreiro.

N° 45/2021 Agricultoras

 

Sarah Barrières

Rebeldes no trabalho. Operárias unidas enfrentando a (pós) revolução tunisiana

Durante a revolução tunisina, que começou no final de 2010, as relações sociais de sexo são redefinidas pela participação maciça das mulheres nos protestos. Neste contexto, uma luta das operárias, singular tanto em sua duração quanto em seus modos de organização e ação, ocorre entre 2011 e 2014 em uma filial de uma multinacional francesa. Para enfrentar as deploráveis condições de trabalho: humilhação, assédio sexual, horários de trabalho extensos, etc., as operárias se organizaram sob a bandeira da principal central sindical do país, a UGTT. Quasi exclusivamente feminino, o sindicato de base, favorecendo o funcionamento e modos de ação inclusivos e pouco  hierárquicos, libera a palavra e permite o deslocamento das linhas de gênero. Focalizado em duas líderes sindicais engajadas que se atualizam e transformam no decorrer do evento, este artigo mostra também como diferentes registros de ação são mobilizados em função da relação ambivalente da luta nas estruturas sindicais e da sua radicalização diante de uma repressão patronal cada vez mais dura.

 

Clémentine Comer

Os componentes morais e políticos do trabalho parental das agricultoras

Este artigo analisa os fundamentos familistas das práticas parentais e domésticas promovidas por mulheres agricultoras. Tanto como recurso identitário quanto alavanca de expressão política para as mulheres que são profissionalmente rebaixadas no espaço agrícola, a adesão a uma divisão rigorosa dos papéis de gênero é defendida moralmente e prescrita coletivamente. A imersão nos grupos de desenvolvimento agrícola das mulheres e as entrevistas com suas participantes revelam assim uma busca de respeitabilidade construída na promoção de uma  moralidade familiar e de respeito às normas de gênero. Ao se tornarem porta-vozes de uma ordem familiar e de um presumido modelo cultural agrícola autêntico e virtuoso, as mulheres agricultoras inventam formas honrosas de compromisso que, embora não sejam  abertamente de protesto, se configuram como  estratégias de defensa.

 

Alexandre Guérillot

O trabalho de agricultora orgânica. Uma nova relação ao trabalho?

Através de uma abordagem compreensiva das respostas à pesquisa realizada pela Federação nacional de agricultura orgânica e pela Agence Bio em 2018, este artigo se propõe a mostrar como agricultoras orgânicas investem o trabalho em suas explorações agrícolas, através de relações complexas e ambivalentes. As demandas de atividades técnicas, mecânicas e ao ar livre que elas apresentam, se configuram como resistência a uma divisão sexual do trabalho que classicamente lhes atribui outros papéis, tais como a gestão de documentos que elas rejeitam em escala maciça. Elas não se projetam muito em « novas » atividades de diversificação, tais como vendas em « circuito curto ». Viver como agricultora orgânica hoje implica aparentemente uma reivindicação completa das prerrogativas do cargo de chefe de exploração agrícola, o que interroga fortemente a divisão sexual tradicional do trabalho agrícola.

 

Pierre Guillemin e Michaël Bermond

Mulheres agricultoras neorrurais enfrentando o desafio da separação conjugal

Na literatura científica, a perpetuação da dominação masculina na agricultura é analisada em particular através do prisma do divórcio.  Com base em dois estudos de caso de uma revista de imprensa (do jornal Ouest-France), este artigo propõe questões de pesquisa sobre os papéis dos diferentes tipos de capital e os efeitos de contexto na atipicidade das mulheres agricultoras separadas de seus cônjuges e que permanecem a frente à exploração agrícola familiar. Ao contrário de outros neorrurais, elas parecem ser capazes de combater certas normas de gênero na agricultura, apesar da persistência da dominação masculina.

 

Rose-Marie Lagrave

Retorno sobre as « agricultoras » : as esquecidas da pesquisa e do feminismo.

Neste artigo, Clotilde Lemarchant e Pauline Seiller conversam com Rose-Marie Lagrave, socióloga e diretora de pesquisa honorária da École des hautes études en sciences sociales, que, já nos anos 80, ajudou a lançar pesquisas sobre mulheres agricultoras, entrelaçando a sociologia rural com a sociologia das relações sociais de sexo.  Rose-Marie Lagrave trata da sua trajetória e explica a maneira que as ciências sociais e o movimento feminista tornam certas categorias da população mais ou menos visíveis.

 

Héloïse Prévost

Mulheres rurais diante da história colonial patriarcal no Brasil

Este artigo analisa as condições de politização das mulheres rurais em suas relações com a terra, como território, como objeto de trabalho e de cuidado. A partir de uma abordagem sócio-histórica, o movimento de mulheres rurais é compreendido em suas ligações com as lutas passadas e presentes pela terra. Com base no estudo de caso do Assentamento Maceió, no Nordeste do Brasil, a análise explora a articulação do trabalho produtivo, militante e de care. Três eixos são apresentados: a intersecção da história local com a história colonial, patriarcal e neoliberal; as condições de politização e a organização do trabalho militante e de care em um grupo de mulheres rurais; a dimensão política do trabalho produtivo entrelaçada com o trabalho de care socioambiental. Estes eixos tornam possível relatar uma série de estratégias camponesas para reapropriação do território e construção um projeto de resistência/r-existência.

 

n° 46/2021 (Re)configuração do trabalho doméstico

Lorraine Bozouls

Trabalho doméstico e produção de um estimo de vida.
As donas de casa das classes superiores

Este artigo analisa a natureza e distribuição do trabalho doméstico em lares de classes superiores com capital mais econômico do que cultural, cujas mulheres são donas de casa ou estão longe de ter um emprego remunerado. Ao detalhar a relação dessas mulheres com o trabalho doméstico, clarificamos situações assimétricas pouco conhecidas, que informam de maneira mais ampla a articulação das relações sociais de gênero e de classe. Como as famílias em questão, praticam ao extremo o modelo de divisão sexuada do trabalho que prevalece na maioria dos casais, as situações das donas de casa oferecem um efeito de lupa sobre a lógica de gênero. Este artigo mostra que as donas de casa estão longe de serem « inativas » e que participam plenamente do posicionamento social da família, realizando o trabalho educativo, de consumo e de manutenção do capital social, o que molda o estilo de vida dessas famílias, ancoradas nas classes altas.

 

Jérémie Brucker

A cobertura do trabalhador.
O vestuário profissional através do prisma do gênero na França (1870-1920)

No final do século XIX e início do século XX, o vestuário de trabalho foi objeto de maior atenção por parte dos diversos atores do mundo profissional. Longe de ser anódino e livremente escolhido pelos trabalhadores e trabalhadoras, o vestuário de trabalho se inscreve nas dinâmicas socioeconômicas e nos contextos políticos, culturais e profissionais com diferentes exigências. Líderes, legisladores/as, atores/atrizes da sociedade civil e trabalhadores/as participam de processos de codificação de vestimentas que fazem das roupas de trabalho o produto de uma fábrica social no final do século XIX. As práticas e proibições sociais de gênero tendem a padronizar o vestuário dentro do mundo profissional, particularmente operário e assalariado.

 

Marie Cartier, Anaïs Collet, Estelle Czerny, Pierre Gilbert, Marie-Hélène Lechien, Sylvie Monchatre e Camille Noûs

Vamos lá, pais!
As condições para o engajamento dos homens no trabalho doméstico e parental

A partir de uma pesquisa com trinta casais heterossexuais, este artigo interroga as condições sociais do investimento dos pais no trabalho doméstico e parental, entre gênero e classe. Ele destaca o papel das horas de trabalho escalonadas, que levam os pais a ficarem sozinhos em casa, assim como nas situações de hipogamia. Se os pais desenvolvem sobretudo um trabalho específico para garantir o presente e o futuro, eles também assumem o papel de auxiliares de suas cônjuges diariamente. No entanto, a participação deles é o resultado do trabalho de socialização e de persuasão assumido pelas mães, além das próprias responsabilidades domésticas e parentais. Finalmente, o artigo analisa a dinâmica das relações de poder e as negociações, às vezes conflituais, dentro dos casais: se a economia dos sentimentos conjugais pode gerar, através de crises, um aumento do engajamento dos pais, frequentemente, ela contribui na perpetuação das desigualdades de sexo na esfera privada.

 

Alizée Delpierre

Mulheres tão privilegiadas? O cansaço de ser servid.o.a por empregad.os.as

Mesmo tendo um.a, dois/duas, três, ou mesmo dezenas de empregad.os.as doméstic.os.as em tempo integral que servem suas famílias no cotidiano, as mulheres muito ricas, entrevistadas para uma pesquisa sobre o uso da domesticidade pelas grandes fortunas, afirmam dedicar uma quantidade de tempo e energia significativos para administrar suas casas. O uso da domesticidade é um privilégio reservado às famílias ricas, que contratam: as mulheres que delegam o trabalho reprodutivo a outr.os.as para se dedicarem ao trabalho produtivo e/ou a atividades de lazer. Mas as reclamações das mulheres, particularmente privilegiadas, que encontramos merecem ser levadas a sério: este artigo visa discutir o paradoxo do investimento doméstico delas, mesmo recorrendo a uma domesticidade significativa. O artigo questiona, primeiramente, o fato de que estas mulheres seriam aliviadas do trabalho reprodutivo, e em segundo lugar, a idéia de que elas seriam tão poupadas quanto seus maridos. O artigo mostra que a contratação de pessoal recria uma divisão desigual e permanente de tarefas entre homens e mulheres empregador.es.as, mesmo quando estes últimos estão trabalhando: eles são responsáveis pelas transações financeiras para pagar os funcionários, e elas pelo trabalho relacional e emocional necessário para a seleção e supervisão do pessoal, que é muito mais exigente.

 

Elie Guéraut, Fanny Jedlicki e Camille Noûs

Emigração estudantil de meninas “locais”.
Entre a emancipação social e a (re)imputação espacial

Este artigo trata da questão da migração residencial gerada pela busca do ensino superior na França. Embora o acesso à universidade tenha se tornado mais difundido a partir dos anos 90, esta abertura se deu à custa de uma forte hierarquia de correntes de ensino superior, dentro das quais a posição ocupada depende em grande parte do sexo e da origem social. Na primeira parte, com base em dados estatísticos e estudos de caso, este artigo examina a dimensão espacial da distribuição estudantil no ensino superior. As mulheres são mais propensas que os homens a deixar sua região de residência após o segundo grau, mas também mais propensas retornar quando concluem os estudos, especialmente nas classes populares. A segunda parte deste artigo mostra que este fenômeno, que diz respeito particularmente às mulheres jovens de áreas rurais e de pequenas e médias cidades, pode ser explicado pela falta de recursos sociais e pelos chamados às origens exercidos sobre elas. No final, o artigo destaca as pequenas diferenças nas trajetórias das estudantes « locais », dependendo da fração da classe popular que elas ocupam.

 

Martine Gross e Michael Stambolis-Ruhstorfer

Quem lava a roupa suja da família?
A divisão do trabalho doméstico entre casais homoparentais e heteroparentais

Este artigo estuda a distribuição das tarefas domésticas em casais heteroparentais e homoparentais na França. Ele mobiliza dados quantitativos do estudo do Elfe (Estudo longitudinal francês desde a infância) e do Devhom (Homoparentalidade, funcionamento familiar, desenvolvimento e socialização das crianças). Até agora, a literatura comparativa tem estudado o trabalho doméstico como um bloco. Detalhando seis tarefas, nossa análise identifica padrões específicos de gênero, a partir de amostras, que distinguem os dois tipos de família.  Enquanto os casais homoparentais entrevistados dividem o trabalho doméstico mais igualitariamente ou o fazem juntos, os casais heteroparentais entrevistados atribuem tarefas exclusivas às mães conforme o gênero, com exceção de reparos e de lavar a louça. Assim, essas famílias homoparentais  parecem ser menos propensas a reproduzir as normas que refletem o dominação masculina na distribuição das tarefas.

 

Dominique Pasquier

A publicação digital do trabalho doméstico

Um estudo das contas do Facebook nas classes populares

Com base na análise de conversas e de links compartilhados em 46 contas no Facebook de operári.os.as e empregad.os.as do setor de serviços, este artigo estuda, a partir de uma perspectiva de gênero, a produção e recepção de mensagens relativas ao trabalho doméstico. Podemos distinguir três tipos de discurso sobre o assunto: as mensagens escritas por mulheres com queixas sobre o peso do tarefas, que desencadeiam uma série de reações empáticas entre mulheres; os cartazes encontrados on-line reivindicando o reconhecimento do trabalho realizado por mulheres que circulam apenas em contas de mulheres; e as caricaturas ou histórias engraçadas contra a dominação masculina que lutam para encontrar um público. O artigo observa a grande ausência de interlocutores masculinos nas conversas e interroga as condições para o fortalecimento, nos círculos de classes populares, das aspirações de maior igualdade formuladas pelas mulheres tão pouco refletidas pelos homens.

n°44/2020 – Interseccionalidade no trabalho

 

Margot Beal

Políticas raciais para a domesticidade na França metropolitana entre os anos 1850 e 1930: a fabricação de uma domesticidade branca e de suas margens racializadas.

O artigo explora os processos de racialização no mundo do trabalho doméstico entre o fim do século XIX e o começo do século XX, na região de Santa Etienne (França). Qual é a política racial em matéria de recrutamento e tratamento dos empregados domésticos no contexto francês metropolitano? Usando fontes judiciais e administrativas, este artigo examina como o Estado francês prefere que a força de trabalho doméstica na França metropolitana permaneça branca, e como a minoria dxs trabalhadorxs domésticxs racializadxs é tratada, tanto por instituições estatais; empregadorxs e, de forma mais laboriosa, por seus pares de classe. A classe, o gênero e a nacionalidade dos protagonistas participam dessa racialização, o que leva à construção de um privilégio de branquitude para xs trabalhadorxs brancxs, num contexto em que os empregadores domésticos são uniformemente brancos.

 

Jennifer Jihye Chun, George Lipsitz e Young Shin

A interseccionalidade como estratégia de mobilização social. As defensoras das imigrantes asiáticas nos Estados Unidos

A história das Asian Immigrant Women Advocates (aiwa ou Defensoras de Mulheres Imigrantes Asiáticas) em Oakland e San Jose, Califórnia, ao longo de quase três décadas, fornece um exemplo revelador da interseccionalidade de um movimento social e sua utilidade em revelar a dimensão difusa e diferencial das formas de opressão interligadas. O artigo discute as origens do conceito de intersecionalidade, tanto nos círculos acadêmicos como na longa história das lutas sociais nos Estados Unidos. Com base no trabalho etnográfico e em documentos de arquivo, o artigo mostra como essa organização comunitária colocou a interseccionalidade no centro do trabalho cotidiano de mobilização: como uma ferramenta para entender a imbricação de gênero, de família, de trabalho e de nação na experiência das trabalhadoras imigrantes; como uma estrutura reflexiva que associa teoria e prática nos movimentos sociais; e finalmente como uma estrutura que favoriza a « liderança de pares » e novas formas mais inclusivas de mobilização.

 

Hou Renyou

A divisão de sexuada do trabalho revisitada na China rural de hoje
(Re)valorização do emprego feminino e persistência da  subordinação familiar

Desde os anos 80, a crescente contribuição das mulheres chinesas nas atividades produtivas através do desenvolvimento social e econômico da força de trabalho feminina, bem como sua significativa participação em atividades sociais e comunitárias, poderia dar a impressão de que, a priori, a ideologia confucionista de separação de sexos na sociedade chinesa, conhecida pela expressão « o homem cuida dos assuntos externos, a mulher dos assuntos internos » (nanzhuwai, nüzhunei), tende a diminuir. Com base em um estudo etnográfico realizado no povoado de Zhang (província de Henan) entre 2013 e 2016, este artigo mostra que a divisão sexuada do trabalho nas atividades produtivas e sociais reconfigura e redefine o que está « dentro » e o que está « fora » em um contexto de migração significativa, mas cujo o valor homem-exterior/mulher-interior continua regulando a organização da vida dos habitantes do povoado.

 

Hanane Karimi

Muçulmanas empreendedoras em rede na França.
Enfrentando discriminações múltiplas

Este artigo analisa os efeitos indiretos das discriminações estruturais e interseccionais no trabalho das mulheres muçulmanas que usam o hijab na França. Constatamos que a imbricação das categorias de raça, de classe, de gênero e de religião, no caso do uso do hijab, penaliza fortemente as perspectivas de carreira dessas mulheres. Ao questionar tanto o processo da escola ao trabalho, que constrói a aprendizagem orientada para a formação,  quanto as enquetes sobre as consequências diretas do uso do hijab no trabalho, nos propomos descrever e analisar duas redes de mulheres muçulmanas empreendedoras autônomas que se organizam em resposta à discriminação no acesso ao emprego. As empreendedoras entrevistadas não herdaram nenhuma disposição empresarial. Elas encontram uma forma de compensar essa falta de recursos para o empreendedorismo através do networking e do coworking. O recurso religioso islâmico é analisado para avaliar sua função em termos de capital simbólico e de inversão de estigma. A pesquisa constata que o compromisso religioso e as responsabilidades familiares fazem da independência profissional a única forma aceitável de trabalhar sem ter que negociar a religiosidade. Trabalho este que constitui uma atividade econômica periférica que gera baixos lucros.

 

Amélie Le Renard

Abordagem interseccional e pós-colonial de um privilégio.
Ocidentalidade e branquitude no mercado de trabalho de Dubai

Baseado em uma enquete sociológica sobre o privilégio ocidental que se estabelece entre Dubai e a França, este artigo intervém em dois debates dentro do campo da interseccionalidade: como esta noção pode ser combinada com abordagens transnacionais e pós-coloniais? É pertinente utilizar a interseccionalidade para trabalhar sobre pessoas em uma posição dominante? O artigo mostra que, em Dubai, todos os portadores de passaporte ocidental gozam de vantagens, mas não as mesmas: contratos de expatriação e pacotes familiares  beneficiam os homens brancos. A diferença entre experiências se amplia em médio prazo. Alguns indivíduos são móveis, enquanto outros se sentem compelidos a ficar em Dubai. Algumas carreiras, especialmente as de mulheres não-brancas, são de curta duração. A experiência do privilégio é assim precária e efêmera. Finalmente, as projeções na França sobre o Golfo não afetam todas as pessoas que retornam da expatriação da mesma maneira.

 

 

Myriam Paris

Cidadania negada: trabalhadoras domésticas confrontadas à regulamentação estatal do trabalho na Ilha da Reunião (1945-1960)

Em 1945, trabalhadoras domésticas criam na Ilha da Reunião o Syndicat des bonnes et des blanchisseuses (Sindicato das empregadas domésticas e lavadeiras) e participam de um amplo movimento anticolonial exigindo direitos políticos e sociais iguais para as mulheres francesas e as da Ilha da Reunião. Baseado em fontes militantes e administrativas, este artigo tem a ambição de mostrar que, a análise das mobilizações dessas trabalhadoras conjuntamente com a análise das respostas institucionais que foram dadas entre 1945 e 1960, constituem um ângulo privilegiado para apreender as modalidades de manutenção e renovação de um regime colonial baseado nas divisões sociais de gênero, de classe e de raça, justamente no momento em que, no âmbito da departamentalização iniciada em 1946, uma cidadania política e social francesa estava sendo construída localmente.

 

N°43/2020 – Trabalhos sujos

 

Christelle Avril e Irene Ramos Vacca

Sujar as mãos pelos outros.
Profissões de mulher na divisão moral do trabalho

O que é uma “profissão de mulher»? Este artigo permite enriquecer a resposta feminista a esta interrogação a partir de um ângulo negligenciado da perspectiva de trabalho sujo de Everett Hughes, que concerne os papéis na divisão moral do trabalho. A partir de três enquetes, uma sobre as cuidadoras a domicílio, a segunda sobre as cuidadoras e enfermeiras em pediatria e a terceira sobre as secretárias nos hospitais, o artigo mostra que uma “profissão de mulher” se define mais pelo o que sobra a fazer que por uma licença específica para fazer certas tarefas. Se as mulheres podem viver esta atribuição positivamente quando se trata de endossar os “bons papéis”, isso não se confirma com tanta clareza quando elas devem “sujar as mãos” pelos outros. Elas assumem efetivamente os « maus papéis » liberando as categorias superiores das tarefas pouco morais, mesmo imorais. Este artigo contribui na elucidação dos laços entre a divisão sexual dos papéis e a construção de posições de poder e de prestígio.

 

Leïla Boudra

Desigualdades de gênero e saúde no trabalho.
O caso do “trabalho sujo” de separação do lixo doméstico

O setor da gestão e da triagem do lixo é frequentemente citado como exemplo de um dos campos de “trabalho sujo” definido por Hugues, tanto do ponto de vista das condições de trabalho, da divisão social e sexual do trabalho produzida em consequência, quanto das dimensões subjetivas engajadas na atividade. Neste artigo, nós propomos uma leitura dos resultados de uma pesquisa em ergonomia nos centros de tratamento do lixo doméstico na França, no prisma das noções de trabalho ruim e de gênero. Estudando as condições deste trabalho industrial realizado em cadeia por equipes mistas, nós mostramos as divisões sexuais, sociais e espaciais na repartição de tarefas e nas as posições na cadeia de triagem. Estes resultados questionam as penibilidades no trabalho e propõem diferenciar seus efeitos de acordo com o gênero. Eles oferecem um quadro de leitura para interrogar a avaliação do sensível na atividade e seus efeitos como a valorização social da atividade pela finalidade verde.

 

 

Hugo Bret

Desgastar-se e preservar-se.
A relação ambivalente ao corpo e à saúde dos coletores de lixo e varredores do setor público

La virilité occupe traditionnellement une place centrale dans la composition de l’identité masculine, dans les styles de vie comme dans le rapport au travail chez les ouvriers. Chez les éboueurs et les balayeurs, les valeurs viriles (courage, force physique, endurance, résistance à la douleur, etc.) continuent de fonder la culture professionnelle et les manières de faire face au « sale boulot ». A virilidade ocupa tradicionalmente um lugar central na composição da identidade masculina, nos estilos de vida como na relação ao trabalho para os operários. Nas categorias de coletores de lixo e varredores, os valores viris (coragem, força física, vigor, resistência à dor, etc.) continuam constituindo a cultura profissional e as maneiras de fazer frente ao “trabalho sujo”. Mas essa cultura profissional é também constituída por uma disposição profissional a preservar o corpo e a saúde, necessários para resistir no posto de trabalho, disposição essa que se soma aos valores viris ou mesmo se coloca em concorrência. A natureza da atividade e as evoluções do setor (modernização, “medicalização”, recomposição social do grupo) assim como a trajetória e as propriedades sociais dos entrevistados mostram a recomposição das masculinidades e distanciamentos às normas viris no seio do grupo.

 

Caroline Ibos

Masculinidade dos caixeiros-viajantes e desqualificação das caixeiras-viajantes (1830-1880)

Observar a situação dos homens socialmente desvalorizados permite interrogar diferentemente a dominação masculina, ou a masculinidade entendida não como substancial mas como política, quer dizer, como uma ordem de dominação que, distinguindo os homens das mulheres, confere a eles uma superioridade socialmente legitimada. Fundamentado em recursos literários e iconográficos heterogêneos, este estudo da desconstrução dos caixeiros-viajantes no século XIX, grupo particularmente estigmatizado, mostra que a masculinidade que lhes é reconhecida pelas elites culturais se inscreve numa dupla relação de poder: uma relação de classe que lhes atribui formas degradadas de masculinidade e uma relação de gênero que lhes integra em uma humanidade comum na qual as caixeiras-viajantes são implicitamente excluídas. Elas sofrem ao mesmo tempo o desprezo dos homens instruídos e a tutela dos caixeiros-viajantes autorizados a explorar seus corpos e submetê-las à suas leis domésticas.

 

Eric Le Bourhis

Carreiras bloqueadas para mulheres. As mulheres arquitetas na Letônia soviética

A Letônia se distingue pela rapidez e amplitude da feminilização da profissão de arquiteta ao longo  do século XX, tanto na Europa como na União Soviética, pela qual foi anexada durante a Segunda Guerra Mundial. Este artigo se debruça sobre os fatores e limites da feminilização deste pequeno grupo profissional desde de 1945. La Lettonie se distingue par la rapidité et l’ampleur de la féminisation de la profession d’architecte au cours du xxe siècle, aussi bien en Europe qu’au sein de l’Union soviétique qui l’a annexée au cours de la Seconde Guerre mondiale. Cet article se penche sur les facteurs et les limites de la féminisation de ce petit groupe professionnel après 1945. Ele interroga as propensões soviéticas e locais da feminilização dessa profissão e as transformações internacionais da profissão para destacar as diferenças entre formação e contratação, favoráveis às mulheres, em um mundo do trabalho, regido até os anos 80, por mecanismos de exclusão sexistas tão poderosos quanto esse contexto favorável às mulheres. Estes mecanismos são interpretados como ajustamentos nos termos dos quais a progressão das mulheres na profissão serve para absorver os entraves impostos à profissão.

 

Virginie Rozée

Quando o desempenho do corpo reprodutor se torna um trabalho.
O caso da maternidade de substituição na Índia.

A perspectiva da maternidade de substituição na Índia como trabalho permite apreender a complexidade dessa realidade. Se, desde uma perspectiva feminista, a reprodução é considerada como um trabalho, na Índia, a maternidade de substituição é concretamente organizada como tal. As gestantes mesmo entendem a maternidade de substituição como uma atividade salarial alternativa, que proporciona, segundo elas, condições muito melhores que seus trabalhos precedentes. Mas este trabalho revela hierarquias e dominações e comporta algumas vezes riscos sociais e de saúde para as trabalhadoras, ligados principalmente a otimização do desempenho dos seus corpos reprodutores. Se estas hierarquias e dominações devem ser colocadas em perspectiva com as relações sociais de gênero na Índia, a perspectiva da maternidade de substituição como um trabalho permite um olhar muito mais crítico das condições das trabalhadoras da reprodução neste país. Certas organizações de mulheres entenderam: ao invés de lutar contra a prática em si, elas se mobilizaram para melhorar as condições de trabalho das gestantes. Esta mobilização parece, no entanto, hoje superada pelo novo projeto de lei que visa uma maternidade de substituição local e altruísta.

N°41/2019 Roupas de trabalho

 

Amel Ben Rhouma e Bilel Kchouk
O acesso das mulheres aos cargos de governança na Tunísia. Uma análise em termos de capacidade
Esta pesquisa se interessa ao lugar das mulheres nos cargos de governança política e econômica na Tunísia no contexto da transição democrática iniciada em 2011. Nosso estudo quantitativo mostra de um lado que o descrédito das antigas elites políticas, a lei sobre a paridade na política e as pressões internacionais criaram um contexto oportuno e favorável a um tímido avanço das mulheres a estes postos, embora a representatividade continue pequena. Relatos de vida realizados com vinte e nove « mulheres de poder », mostra os recursos e capacidades dessas mulheres, relacionados com suas conquistas e emancipação desde a independência (acesso aos estudos superiores particularmente) e ambiente familiar e social que as apoiam. Contudo, essas evoluções se chocam com resistências estruturais como as práticas de cooptação no seio da administração tunisiana, a pouca visibilidade mediática das mulheres políticas e uma persistente cultura conservadora que favorece a supremacia masculina.

 

Isabel Boni-Le Goff
Especialistas respeitáveis? Estética indumentária e produção da confiança
Considerada como « intelectual », a assessoria em gestão é raramente vista sob o ângulo de mediações corporais, nem do trabalho de personificação que ela implica. Desde a entrada na profissão, os consulorxs debutantxs aprendem, portanto, a levarem conta um conjunto de expectativas historicamente e socialmente construídas, a produzir uma fachada pessoal convincente e a realizar um passing especialista.  Na produção controlada dessa figura de especialista as vestimentas têm um papel central. O artigo mostra como as normas indumentárias contemporâneas da profissão são marcadas pelas figuras profissionais construídas historicamente e mostram a persistência de uma estética de gênero, a despeito da importante entrada de mulheres nesse antigo bastião masculino. Em seguida, o artigo analisa as experiências indumentárias complexas das mulheres consultoras: o zelo permanente sob o risco uma má nota indumentária, o medo compartilhado de cometer um erro estético e simbólico. Interessado pelas situações indumentárias problemáticas, o artigo oferece uma perspectiva heurística sobre as funções sociais e simbólicas da vestimenta profissional, sobre a violência simbólica assim como sobre as relações de poder das quais ele pode ser o suporte.

 

Corinne Delmas
Os notários, o gênero de uma profissão a patrimônio
A profissão de notário, profissão de patrimônio, constitui historicamente um mercado de trabalho pouco aberto. A entrada das mulheres neste mercado, acessível a elas a partir de 1948, foi ampliado no decorrer das últimas décadas. Vários índices revelam até uma feminilização massiva inerente à escolarização, já identificada em outras profissões jurídicas, mas também a outros fatores específicos à profissão de notário, principalmente a diversificação das posições e dos status profissionais. As vivências e percepções subjetivas da feminilização continuam, no entanto, contrastadas com as resistências masculinas e, em se tratando de mulheres, as diferenças generacionais, em termos de trajetórias, de origem social, de contexto familiar…. Assim, a lacuna parece consequente entre a feminilização ressentida por certos profissionais e a realidade. A reforma em curso da profissão pode favorizar na mesma medida o empreendedorismo feminino e as formas de segregação marcadas pelo gênero.

 

Louise Jackson
De uniforme e à paisana: as policiais londrinas (1919-1959)
Consagrado ao trabalho das policiais de Londres, este artigo analisa o papel da vestimenta enquanto tecnologia capital pela qual as identidades da polícia como dos que ela monitora são colocados em cena e se constroem. As missões em uniforme e à paisana repousam em estratégias de monitoramento diferentes, porém interligadas. O uniforme dava segurança para as mulheres e as protegia enquanto elas se moviam em novos ambientes, tornando-se um elemento do espetáculo urbano, encarnando assim uma forma bastante visível de autoridade « feminina ». As policiais eram também utilizadas para missões de observação à paisana e para operações clandestinas em lugares suspeitos de serem meretrícios, em círculos de jogos e de bebidas ilícitas. As policiais aprendiam a interpretar a vestimenta e a fisionomia das pessoas em função dos códigos culturais ligados à classe, ao status social e ao gênero, elas utilizavam em seguida este saber para adaptar a sua própria aparência em função, subvertendo assim a ordem simbólica a fins oficiais.

 

Frédérique Matonti
A roupa de trabalho dos políticos. Representação, semelhanças e passos em falso
Este artigo pretende mostrar que, longe de serem anedotas, as roupas de trabalho dos eleitos têm parte ligada com o âmago da profissão: as exigências da representação política. Ele lembra primeiramente alguns « escândalos indumentários » (Cécile Duflot, Jack Lang, Valérie Pécresse, François Ruffin, etc.) recentes, o fundamento das exigências sociais e de gênero esperados dxs políticxs profissionais. Em seguida, ele analisa desde a Revolução francesa, como os vários fatores (seleção social dos eleitos, normas indumentárias das classes dominantes, vontade de impor a autoridade, etc.) se combinam para dar origem a uma regra geral: as vestimentas dos representantes devem distingui-los das dos representados, mas também de algumas variações ligadas principalmente ao pertencimento partidário. O artigo se interessa enfim à evolução contraditória das obrigações dos políticos em matéria indumentária – no decurso do tempo, seus corpos são cada vez menos arrumados, e cada vez mais examinados e controlados.

 

Thibaut Menoux
As roupas de um concierge, ajustes masculinos no serviço de luxo
O artigo toma como ponto de partida o fato dos homens que trabalham no hall dos hotéis de luxo usarem uniforme, para mostrar como o uniforme masculino, longe de ser somente a alavanca de uma virilização unívoca, induz a formas menos exploradas de renegociação das identidades masculinas, renegociações inseparáveis das trajetórias sociais dos homens em questão. Partindo de pesquisas: etnográfica, estatística e de arquivo- sobre a profissão de concierge de hotel, o artigo mostra primeiramente a ambivalência dos significados sociais ligados ao uniforme hoteleiro e percebidos pelos que o vestem. Ele mostra em seguida que o uniforme representa o suporte e o índice de um ajuste pela socialização indumentária, que consiste em aprender o trabalho de serviço de luxo pelo uso do uniforme e a aprender a usar o uniforme, saber estes face aos quais os trabalhadores, em função da trajetória social, não estão em pé de igualdade. Enfim, o artigo mostra que esses usos, socialmente situados e de gênero, de um uniforme com tendência a se informalizar, são suscetíveis de recompor os modelos de masculinidade desses trabalhadores.

 

n°42/2019 Práticas ecofeministas

Viviane Albenga e Vanina Mozziconacci
Todos os feminismos são solúveis na educação?
Hibridações teóricas e paradoxos práticos num dispositivo de prevenção de violências sexistas
A desconstrução dos estereótipos tornou-se um dos fios condutores mais recorrentes da luta contra as desigualdades de gênero no sistema escolar. E possível interpretar esta medida como uma inspiração feminista liberal ou « igualitária ». Porém, a adoção de princípios teóricos-políticos pode levar a certo número de impasses, que são diretamente ligados à concepção de gênero trazida por este modelo, focalizada nos papéis sexuais e em escala individual. O feminismo materialista, enquanto ele apreende o gênero como sistema macrossocial divisor e hieraquizador, parece evitar aporias teóricas que caracterizam o modelo liberal. Contudo, o que acontece com suas aplicações e consequências práticas no âmbito da educação? Nós veremos o estudo de um dispositivo de prevenção do sexíssimo conduzido pelo Observatório de violências feitas às mulheres de Seine-Saint-Denis no qual a adoção do feminismo materialista pelas educadoras que buscam promover uma educação à igualdade de gênero conduz à sua adaptação. Certo número de hibridações são assim colocadas em prática, conciliando perspectivas feministas aos postulados claramente divergentes.

 

Isabelle Cambourakis
Articular ecologia e feminismo nos anos 70. O exemplo do centro não violento dos Circauds
Mesmo que insistamos frequentemente na ausência de uma corrente ecofeminista na França e no tímido engajamento no movimento contra os testes nucleares das forças armadas nos anos 80, a perspectiva do centro dos Circauds, espaço de formação à não-violência criado no começo dos anos 70, permite analisar a difusão e a imbricação do feminismo e da ecologia em espaços à margem dos movimentos sociais. Este artigo analisa particularmente os campos de verão organizados e não mistos para mulheres do centro entre 1976 e 1978 e o papel por ele desempenhado tanto na emergência de um movimento feminista pacífico europeu e quanto na difusão de uma sensibilidade ecofeminista que valida uma critica das relações de gênero – a critica da modernidade – de uma medicina percebida como masculina, vinculada à indústria farmacêutica e com o capitalismo. A análise da imprensa ecologista e feminista com as entrevistas com antigas do Circauds torna visível praticas feministas heterodoxas e maneiras do cotidiano que permitiam resolver contradições de mulheres, que nos anos 70, desejam portar juntas seus engajamentos.

 

Camille Fauroux
As políticas de trabalho feminino durante a Ocupação
Este artigo propõe uma abordagem da história do trabalho feminino durante a Ocupação nazista sob o prisma da integração à economia de guerra alemã. A política de trabalho das mulheres francesas feita pela Alemanha constituiu desde o começo uma fonte de inquietação para o governo de Vichy, pois ela vai de encontro ao projeto de restauração da família defendido por ele. Do ponto de vista do ocupante, esta politica de recrutamento de uma mão-de-obra estrangeira tem ao contrário a vantagem de preservar as relações de gênero na Alemanha, colocando o peso da produção de guerra nas costas das estrangeiras. Quando as tensões em torno do fornecimento de mão-de-obra aumentam, a questão do recrutamento forçado das francesas para o território do Reich se coloca, mas finalmente essa possibilidade é descartada em beneficio de uma política de trabalho forçado das mulheres na França. Este estudo ressalta a importância de uma perspectiva transnacional na abordagem do gênero das politicas de trabalho.

 

Aurore Koechlin
A auto-ginecologia : ecofeminismo e interseccionalidade
Nós propomos um estudo monográfico de uma rede de praticantes da auto-ginecologia na região parisiense, composta por pessoas de 20 a 40 anos que pertencem a uma nova geração que podemos qualificar de feminista interseccional. A questão é mostrar como as feministas interseccionais podem se apropriar dos paradigmas ecofeministas, tanto no discurso como na prática. Para esta nova geração, a prática da auto-ginecologia não é fácil a reivindicar : centrada nos órgãos genitais femininos, ela pode dar a entender que « a mulher » se define em referência à anatomia e ser acusada de essencialismo pelas feministas interseccionais, que precisamente quiseram levar mais longe a desconstrução do gênero que nos anos 70. O caso dessa rede de auto-ginecologia que consegue articular essa prática com um posicionamento interseccional mostra como o ecofeminismo pode integrar uma forma de sincretismo teórico e prático, misturando uma releitura das mobilizações feministas pela contracepção e pelo aborto, as contribuições de teoria queer e do black feminism, uma certa visão da ecologia e às vezes um engajamento anticapitalista.

 

Geneviève Pruvost
Pensar o ecofeminismo
Feminismo da subsistência e ecofeminismo de vernáculo
Para evidenciar a conceptualização que uma parte das teóricas ecofeministas propõem com relação ao trabalho no regime capitalista, seja assalariado, agrícola ou doméstico, qualificamos de feminismo de subsistência a corrente das teóricas tais que Françoise d’Eaubonne, Maria Mies, Silvia Federici, Vandana Shiva e Starhawk que têm em comum estabelecer um laço entre feminismo, ativismo e práticas de alternativas ecológicas que relevam de uma forma de ecofeminismo de vernáculo. Essa perspectiva materialista, mas também espiritual do ecofeminismo se apoia em pesquisas antropológicas e históricas que distinguem o trabalho destinado à alimentação de autoprodução pelos dois sexos e o trabalho doméstico feminino de preparação de produtos industrializados em termos econômicos e políticos. A destruição do meio-ambiente da industrialização da esfera das necessidades é correlacionada com o aniquilamento das últimas sociedades camponesas do sul e com a divisão desigual do labor de produção de recursos vitais do qual as mulheres são as primeiras vítimas.

 

Constance Rimlinger
Trabalhar a terra e desconstruir o heterosexismo: experimentos ecofeministas
A partir da etnografia de três espaços rurais (duas fazendas e uma chácara) mantidas por mulheres lésbicas ou/e queer que se inscrevem numa crítica ecologista e anticapitalista da sociedade, e questionam as normas de gênero e de sexualidade, nós interrogamos o significado dessas escolhas de vida alternativas no olhar da identidade das atrizes sociais e a maneira que elas enriquecem a compreensão da constelação dos movimentos ecofeministas. Nós observaremos o deslocamento da cidade ao campo e do mundo salarial à agricultura de subsistência, e a necessidade que se coloca a elas de instaurar novas estratégias para lutar contra o isolamento e para integrar-se no campo.  Simultaneamente, este retorno à terra oferece novas possibilidades de emancipação, de engajamento e de suporte às mulheres e às minorias. O trabalho agrícola, o engajamento feminista e a politização do cotidiano constituem diferentes facetas do mesmo projeto: o de procurar uma via mais justa e durável para a nossa sociedade.

 

Benedikte Zitouni
Contra a destruição do planeta. O ecofeminismo nos anos 80 na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos
Este artigo revisita o começo do ecofeminismo nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha analisando os traços deixados nos arquivos e nos livros de testemunho, pelos participantes às seguintes ações: o primeiro encontro ecofeminista em Amherst (1979), os desfiles em memória do acidente nuclear em Three Mile Island (1980), a Ação no Pentágono em Washington D.C. (1980, 1981) e em São Francisco (1981), assim como os campos de mulheres pela paz na Inglaterra em Greenham Common perto de Newbury (1981-1987), nos Estados Unidos em Puget Sound no estado de Washington e em Seneca no estado de Nova Iorque (1983). Tomando como apoio o testemunho de militantes, o artigo tenta demonstrar que o ecofeminismo é antes de tudo uma política revigorante, maneira inovadora e transformadora de fazer política, baseado nos afetos como o medo, a cólera, e a revolta suscitados pelo clima apocalíptico e pela política nuclear nos anos 80. Por meio de ocupações e desfiles, frente ao desastre, se tratava para essas mulheres de reapropriar-se do curso da História.

 

 

 

 

N°39/2018 Famílias populares

 

Com quem as operárias e empregadas do terciário formam família?

Lise Bernard e Christophe Giraud

Este artigo mostra que as situações conjugais dos homens e mulheres nos meios populares foram afetados por várias transformações desde o começo dos anos 80: maior distância em relação à vida conjugal, redução importante dos casais compostos de um operário ativo e de uma mulher inativa, diminuição da homogamia para os empregadas e empregados do setor terciário. Este artigo contribui também com a análise da diversidade atual das mulheres de meios populares a partir de um estudo das suas uniões matrimoniais. Ele coloca em evidência a existência de uma estratificação no interior das diferentes categorias de operárias e assalariadas: “no alto” mulheres dotadas de recursos múltiplos, que tendencialmente se unem com homens que ocupam posições sociais  elevadas, e “embaixo” casais de homens e mulheres com vida profissional marcada pela precariedade, e finalmente, polos médios marcados pelo mundo operário, alguns empregos no comércio, nos serviços pouco qualificados e onde as mulheres são mais ou menos distantes de um emprego.

 

O conselho em igualdade profissional: qual gênero de empresa?

Soline Blanchard

Os anos 2000 foram o teatro do desenvolvimento de uma nova atividade de trabalho na França: o conselho em igualdade profissional. Ela reuniu prestadores de serviço para acompanhar as organizações nos procedimentos internos de promoção dessa temática. Este artigo se propõe a entender estes protagonistas no enfoque de gênero, a fim de explorar um paradoxo já observado em outros contextos: tomadas em um espaço social estruturado pelo gênero, promotoras/promotores da igualdade têm tendência a (re)produzir as desigualdades que elas/eles pretendem combater. Concentrada na categoria de prestadores – mulheres criadoras de atividade, a análise enfoca uma articulação complexa entre lógicas de subversão e lógicas de reprodução do gênero.

 

Uma “resistível” feminilização? A contratação de policiais.

Frédéric Gautier

A decisão de abrir às mulheres o acesso ao concurso de policial e a supressão oficial das cotas que limitavam a sua contratação contribuíram sensivelmente à feminilização da polícia nacional. Contudo, as mulheres continuam subrepresentadas entre os policiais. Se, deste ponto de vista, a morfologia da instituição muda pouco, é primeiramente porque as candidaturas femininas são mais raras que as candidaturas masculinas: socialmente menos prováveis, constituem ainda uma forma de transgressão que requer propriedades e disposições particulares. E é igualmente porque os recrutadores têm práticas mais exigentes com as mulheres do que com os homens, ainda que valorizem as candidatas que se dobram às regras do modelo viril que continua dominante na instituição e que dão sinais das suas capacidades para jogar esse jogo.

 

Trabalho doméstico: classes populares conservadoras?
Marie Cartier, Muriel Letrait e Matéo Sorin

Este artigo estuda a maneira que os homens e mulheres das classes populares percebem e reagem à divisão desigual das tarefas domésticas. Mobilizando dados estatísticos e 17 monografias de casais heterossexuais com crianças, ele defende a ideia que o período que começa nos anos 80 até os dias de hoje se caracteriza menos por um apreço a uma divisão estrita dos papéis sexuados, que por uma lenta diferenciação de concepções em matéria de trabalho doméstico no interior mesmo dessas classes. O apreço a uma estrita divisão sexuada do trabalho vale sobretudo para os estratos mais precários. As famílias estabilizadas das classes populares se desvencilham através da participação, modesta mas em progressão, dos homens operários e empregados do terciário às tarefas domésticas mas também através do questionamento do desequilíbrio doméstico pelas mulheres.

 

“É o meu momento”. O tempo para si das operárias e empregadas do terciário.

Olivier Masclet

As operárias e empregadas do terciário de hoje têm um tempo para elas, livre das cargas familiares e profissionais? Se o tempo pessoal dessas mulheres é frequentemente marcado pela dimensão familiar, a análise não deve se limitar à constatação da força do “nós” nos meios populares: em vários momentos o “eu” evidentemente prima. Mostrando as desigualdades entre as mulheres das categorias populares e as outras mulheres diante do tempo para si, este artigo identifica as atividades de caráter pessoal que elas fazem no tempo livre e relata a estandardização do tempo para si, quer dizer, ao mesmo tempo a apropriação e a banalização da norma do tempo pessoal nas famílias de classe popular. Ele mostra que o tempo para si é, para essas mulheres, uma maneira de impor limites à condição de esposa e mãe, como também à posição subalterna no emprego que ocupam.

 

As mulheres nas classes populares, entre continuação e ruptura

Olivier Schwartz

O artigo trata da questão do lugar das mulheres nas famílias nas classes populares na sociedade contemporânea e das evoluções que afetaram este lugar no curso das últimas décadas. As literaturas sociológicas e historiográficas evidenciaram há muito tempo características recorrentes deste lugar nas classes populares nos séculos dezenove e vinte. As monografias realizadas no projeto “O popular hoje” permitem examinar a situação na sociedade francesa atual. Elas mostram transformações importantes, tanto nos modos de funcionamento dos casais como nas aspirações das mulheres, sinal que os membros dos meios populares de hoje estão longe de limitar-se a reproduzir seus modos de vida tradicionais. Estas transformações coexistem com continuidades, que os dados igualmente evidenciam. O artigo faz um balanço dessas mudanças e dessas permanências, e examina como, sob efeito desses diferentes fenômenos, se desenha hoje o lugar das mulheres nas famílias populares.

 

Mãe “ faço tudo”. Práticas educativas populares em tensão

Vanessa Stettinger

Em famílias pertencentes às frações medianas e estabilizadas das classes populares, as tarefas relativas à educação das crianças são obrigação quase unilateral das mulheres, que se veem em alguns casos obrigadas a deixar a vida profissional. Estas mulheres são as primeiras responsáveis pela transmissão das normas educativas supostamente necessárias ao sucesso das crianças: estabelecimento da hora de dormir, alimentação saudável, acompanhamento das tarefas escolares e organização das atividades extraescolares. Mas como essas são normas oriundas das classes dominantes, instaurá-las traz um custo adicional, tendo em vista a desproporção entre normas e recursos que elas dispõem para estabelecê-las. São nos momentos que elas se aproximam das práticas populares que elas respiram e reencontram momentos mais felizes em família.

 

N°40/2018 Campanha Presidenciais 2017 – Mulheres, homens e votos

 

Catherine Achin e Sandrine Lévêque

Mind the Gap ! Da variável sexo ao gênero dos comportamentos eleitorais

Este artigo propõe um retorno crítico às análises consagradas au gender gap eleitoral nas democracias ocidentais. Ele pleiteia que sejam considerados globalmente os efeitos do gênero nos comportamentos políticos, interrogando as condições de reprodução de uma relação diferente das mulheres e dos homens com a política. Ele desenha algumas pistas teóricas e metodológicas para adotar uma postura reflexiva sobre os métodos e sobre as relações de pesquisa, para trabalhar as implantações sociais e o sentido do voto e para analisar os processos contínuos de socialização política e a imbricação do gênero com outras relações sociais de poder.

 

Martin Baloge e Marie-Ange Grégory

O voto à prova dos casais

A análise dos processos de sociabilização se concentra geralmente nas relações entre pais e filhos e nos grupos de pares. Neste artigo, nós estudamos estes processos no interior dos casais decifrando o que os casais fazem ao voto e vice-versa. O estudo se apoia em dados quantitativos, tirados de um questionário aplicado na saída das urnas na eleição presidencial de 2017 e em entrevistas realizadas em quatro momentos distintos com indivíduos em casais heterossexuais. A influência dos casais na formação das opiniões políticas deve ser pensada em relação com outras variáveis (particularmente a classe, a idade e a herança política) e estudada no seu meio levando em conta as redes de contato de cada cônjuge numa perspectiva dinâmica em termos de “carreiras”.

 

Lorenzo Barrault-Stella, Clémentine Berjaud e Safia Dahani

As práticas eleitorais entre classe, gênero e raça

Este artigo analisa intensivamente as práticas eleitorais de três mulheres de classes populares oriundas de populações discriminadas, em 2017. Utilizando observações no bairro e entrevistas repetidas antes, durante e depois da sequencia eleitoral, a análise delimitada no interior de um bairro muito segregado restitui os votos contrastados nas suas condições de produção mostrando assim o peso dos pertencimentos de classe, de gênero e as relações sociais de raça. Mesmo se estas três mulheres vivem no mesmo contexto residencial elas votam em candidatos politicamente muito diferentes (de candidatos do Front National a candidatos do Partido Socialista), nos três casos, suas posições relativas no seio das classes populares locais, a condição de mulher e suas relações intrafamiliares, como o pertencimento étnico-racial (e religioso) são intricados e explicam não somente a mobilização eleitoral estatisticamente improvável, mas também a variação das suas práticas de voto que são  tendencialmente associadas às relações sociais diferenciadas e conflitantes no próprio  bairro.

 

Sophie Bernard

Autonomia masculina, precariedade feminina.
Representantes de comércio face ao salário por comissão

Este artigo tem como foco o caso de representantes de comércio pagos por comissão. Estes assalariados têm por especificidade beneficiar-se de uma forte autonomia e serem submissos a uma incerteza salarial que tende a aproximá-los dos trabalhadores independentes, influenciado assim as práticas profissionais e acarretando uma relação ao trabalho distinta entre homens e mulheres. Enquanto os primeiros veem a autonomia no trabalho como uma oportunidade de investir-se intensamente no trabalho com o objetivo de ganhar salários elevados para assegurar sua promoção social, para as mulheres essa autonomia é uma oportunidade de conciliar vida profissional e vida familiar, que lhes permite manter-se ou voltar a um emprego. Estas diferenças se mantêm nos “arranjos entre cônjuges” que contribuem in fine ao reforço das desigualdades de gênero, confortando os homens no status de “Senhor ganha-pão” e de “Mulher ganha pouco”.

 

Christèle Marchand-Lagier

O voto das mulheres na Marine Le Pen.
Entre o efeito geracional e socioprofissional

O voto das mulheres em favor da Frente Nacional foi banalizado? Que tem ele de singular? Quais são as mulheres que concedem a preferência à Marine Le Pen? Este artigo se apoia no tratamento de questionários na saída das urnas, recolhidos pela enquete ALCoV[i], no segundo turno das eleições presidenciais de 2017. Estes dados são mobilizados para questionar o desaparecimento de um « radical right gender gap » em benefício de um « gender generation gap » que explicaria a suposta propensão das mulheres jovens a escolher a candidata de extrema direita. Contudo, além da idade e do sexo, são os diferentes tempos da vida das mulheres que convém interessar-se para analisar o porquê, com maior frequencia que os homens, elas, dependentes dos seus contextos familiares, sociais e profissionais, podem escolher a Frente Nacional (FN). Esta capacidade de atração da Frente Nacional exercida nessas categorias que participam pouco das eleições é sem dúvida uma das razões dos seus repetidos fracassos eleitorais.

 

Janine Mossuz-Lavau

Trabalho, gênero e voto

Pioneira das análises de gênero dos votos, Janine Mossuz-Lavau volta no seu percurso de pesquisa e no seu investimento nessa temática partindo dos seus trabalhos sobre os votos das mulheres no Cevipof (Centro de pesquisas políticas da Science PO) com Mariette Sineau.

 

Mathieu Trachman

O ordinário da violência. Um caso de estupro contra menor no meio artístico

O ordinário é um tema frequentemente mobilizado nos estudos sobre violência de gênero. A partir de um caso de estupro contra menor, este artigo tem como objetivo especificar o que esta em jogo. Ele mostra primeiramente que a noção de ordinário, que significa frequentemente o que é comum a todas as mulheres, ganha um perímetro específico: no caso analisado do trabalho artístico, com sua dimensão vocacional, a personalização das relações entre professor e estudante e os custos para entrar na profissão para as mulheres são elementos determinantes. Nos estudos feministas, o ordinário designa igualmente os casos de violência que caracterizam a vida cotidiana das mulheres. Distinguindo fatos, situação e qualificação, o artigo mostra que a qualificação da violência implica um sentimento de anormalidade e uma reflexividade amplamente ausentes nas situações de violência de gênero. Este hiato explica a incerteza frequentemente inerente à qualificação de violência e o caráter retrospectivamente enigmático das situações de violência. O ordinário da violência designa assim menos uma evidência ocultada que um registro da experiência no qual os abusos e as agressões são integrados no curso da vida e normalizados pelos protagonistas.

[i] Projeto ANR ALCoV – Análises localizadas comparativas do voto : desconfiança, abstenção e radicalização política na França contemporânea.

 

N°38/2017 Gestação por substituição  

 

Afirmação e contestação do gênero no ensino médio profissionalizante

Séverine Depoilly

A partir de dados de uma enquete etnográfica conduzida em três escolas de ensino médio profissionalizante na periferia de Paris relativamente segregadas e pauperizadas, este artigo se propõe a analisar a maneira como se constituem as relações entre pares do mesmo sexo e do sexo oposto. Nós mostraremos primeiramente que essas relações são condicionadas por um sistema de atribuição identitária de gênero que convocam meninas e meninos a uma ordem de gênero tradicional. Em seguida, nós consideraremos, partindo de experiências de pesquisa similares, certas formas, mesmo parciais, de deslocamento, de inversão, de subversão desta ordem de gênero mobilizada principalmente pelas meninas.

 

Gênero e práticas jornalísticas na imprensa do ciclismo de montanha

Mélie Fraysse e Christine Mennesson

Este artigo se interessa às diferentes maneiras de fazer o gênero num contexto onde a dominação masculina se exerce plenamente, o da imprensa especializada em ciclismo de montanha. Mobilizando os conceitos de “regime de gênero” e de “masculinidade hegemônica” [Connell, 1983 ; 1987], tratamos de analisar as diferentes formas de masculinidades e de feminilidades “jornalísticas” presentes nas redações das revistas de ciclismo de montanha, e igualmente de estudar as condições sociais que contribuem na sua construção. Se o regime de gênero estudado valoriza a masculinidade hegemônica e a “feminilidade exacerbada”,  algumas entrevistadas, no entanto, adotam práticas profissionais que questionam os modelos de gênero. Os modos de socialização profissional têm importância central nesse processo.

 

A aceitação moral da maternidade de substituição Os ensinamentos da gestação por si ao serviço de mais justiça

Marlène Jouan

O debate sobre a maternidade de substituição, frequentemente reino de grande confusão, divide pelo menos o mesmo numero de feministas que o debate sobre a prostituição. Este artigo se concentra no argumento da autonomia das mulheres convocado neste debate, e propõe questionar a maternidade de substituição à luz do raciocínio moral que legitima a interrupção de gravidez, não contestada. A este fim, nós nos apoiamos essencialmente na literatura anglófona e analisamos a maternidade de substituição enquanto trabalho de “care”. O artigo mostra que sua aceitação moral depende do recurso a uma noção complexa de responsabilidade, capaz de superar o desafio da dominação de gênero que restringe nossas representações da maternidade, de reconhecer o risco de alienação que pesa sobre a gestante, e finalmente, considerar as relações estruturais de injustiça que formam a pratica que atravessa fronteiras da maternidade de substituição.

 

O baile na Espanha franquista : o jogo do amor mas não do acaso

Laura Nattiez

Se a primeira vista, o baile pode ser associado a um momento de festividade frívola para jovens, ele se revela um espaço particular de teatralização, que oferece um ângulo de análise fecundo das normas e dos comportamentos de gênero e do funcionamento do mercado matrimonial desde a primeira metade do século XX. Recolhendo relatos de vida em diferentes regiões espanholas, nós nos surpreendemos ao constatar que todas as mulheres nascidas nos anos 30 evocavam este evento lembrando sua juventude.  O estudo das entrevistas revela que o baile é o primeiro espaço de contato misto que permite o encontro dos futuros cônjuges. Tendo em conta o contexto, a atitude das jovens é estritamente normatizada e controlada pelo personagem incontornável do chaperon.

 

Discriminações contra homossexuais no mundo do trabalho na Suiça

Lorena Parini e Anouk Lloren

Este artigo é baseado numa pesquisa efetuada na Suíça em 2014-2015 sobre as discriminações sofridas por pessoas homossexuais no mundo do trabalho. A partir de um questionário difundido pela internet, as autoras analisam as formas e a frequência da homofobia assim como o impacto de diferentes fatores sociais como idade, visibilidade e contexto de trabalho (masculino, feminino ou misto) sobre os diversos tipos de discriminação. Os resultados mostram que as discriminações são uma realidade vivida por grande parte das e dos homossexuais na Suíça nas formas de estigmatização verbal, exclusão, assédio moral e sexual principalmente. Os resultados são aqui interpretados numa perspectiva de gênero que permite evidenciar a importância das normas de gênero nos comportamentos homofóbicos.

 

Diretores artísticos e administradoras: uma distribuição sexuada dos papéis nas companhias de teatro independentes

Serge Proust

As administradoras culturais assumem tarefas essenciais que permitem a viabilidade material das (pequenas) empresas artísticas, mas esse trabalho continua massivamente invisível. As mulheres são inscritas num laço de subordinação com os diretores artísticos, maioria homens, que associam, frequentemente, legitimidade artística e autoridade social. Enquanto que suas multiplas tarefas continuam sendo entendidas no prisma da atividade domestica, elas se adaptam às exigências dos campos artísticos, inclusive as que conduzem à confusão de tempos e espaços sociais.  Mas, elas não se beneficiam das mesmas gratificações materiais e sobretudo simbólicas monopolizadas pelos artistas. É por isso que, mesmo sendo conduzidas a aceitar uma serie de acordos, as administradoras tendem a reintroduzir as regras e os princípios da sociedade salarial.

 

Porque a maternidade de substituição dita ética não o pode ser

Martine Ségalen

Constatando as derivas das praticas da maternidade de substituição, pesquisadores, particulares, grupos militantes pleiteiam sua regularização, evocando uma maternidade de substituição “ética” ou “altruísta”, onde toda relação comercial será excluída. Este artigo analisa as causas do desenvolvimento da pratica, os responsáveis sociais que integram o discurso das mães de substituição, os termos que são agora empregados para tentar que elas desapareçam enquanto mães e mostra os efeitos da implementação de um mercado mundializado da maternidade de substituição. Recusando-se à instrumentalização do corpo feminino e à mercantilização das crianças, este artigo mostra que o que é ético é a abolição universal desta pratica.    

 

N°37/2017 Sem filhos    

 

Anne Gotman

A escolha de não ter filhos

Na maioria dos países avançados, o número de homens e mulheres sem filhos aumenta, em todo caso se analisamos em curto prazo. Nos interessaremos pelas pessoas que declaram não ter filhos voluntariamente. Vamos interrogar o perfil sociológico, as motivações, e as explicações a esse fenômeno. Mostraremos igualmente que ele acompanha uma reivindicação de legitimação fundada na liberdade de escolha e na igualdade de tratamento entre pessoas que tem filhos e que não tem.

Nassira Hedjerassi

Audre Lorde, l’outsider. A formação de uma poetisa e intectual feminista africana e americana

Este artigo trata sobre Aude Lorde, uma poetisa e figura emblemática da história das lutas e das ideias feministas e lésbicas africanas e americanas no século XX. Busco compreender a partir da sua infância e juventude como ela se construiu como intelectual no contexto estadunidense marcado por um sistema segracionista que limita o acesso das populações pretas de modo geral – e das mulheres pretas em particular – a uma certa quantidade de direitos, como a educação, o trabalho (em particular aos empregos qualificados e às profissões intelectuais elevadas). Apoiada num material autobibliográfico, fiz questão de pesquisar seu percurso de formação, situando-o no seu contexto socio-historico, segundo um quadro de leitura que articula o conjunto interconectado das relações sociais à obra (classe, raça, sexo).

 

Michaela Kreyenfeld et Dirk Konietzka

Filho ou emprego? Dilema das alemãs do Leste e do Oeste

Na Alemanha Oriental, antes da reunificação, menos de 10% das mulheres não tinham filhos, enquanto que na Alemanha Ocidental esse número aumentou regularmente até chegar em 20%. Este artigo se interessa a essa divergência, e se apoia em dados de um micro-recenseamento. Ele estuda as políticas sociais que influenciaram o emprego das mulheres e os modelos familiares antes da reunificação. Ele aborda também outras tendências e reformas mais recentes, especialmente o aperfeiçoamento da recepção de crianças pequenas e a reforma do beneficio de licença maternidade em 2017 . Se os modelos familiares e os regimes de emprego tenderam a alinhar-se nas Alemanhas reunificadas, diferenças comportamentos subsistem. Ainda hoje, é mais frequente mulheres não terem filhos no oeste do que no leste do país. As mulheres do leste da Alemanha trabalham em regra geral tempo completo, enquanto que a taxa de mães do oeste que trabalham a tempo completo só aumenta progressivamente.  

 

Véronique Marchand

Fazer feiras: comerciantes em La Paz e em Roubaix

A confrontação de duas enquetes etnográficas sobre as feiras em La Paz e em Roubaix ilustram como a questão das relações sociais de sexo se inserem num conjunto complexo de identificações étnicas, profissionais e de gênero que levam em conta a idade e o nível de instrução. Em La Paz, as feiras são ocupadas quase exclusivamente por mulheres oriundas de imigração, frequentemente analfabetas e responsáveis pelo orçamento familiar; a masculinização do comércio de rua a partir dos anos 80 aconteceu a contragosto das mulheres que desejavam preservar seu quase monopólio. Em Roubaix, os feirantes são majoritariamente homens, originários do norte da África, excluídos do mercado de trabalho assalariado. As feirantes são minoria, mulheres sem diplomas e frequentemente as únicas responsáveis pelo orçamento familiar. Nos dois casos, a feira se revela como uma forma de trabalho não assalariado que permite a emancipação das mulheres perante os homens.  

 

Helen Peterson

« Eu nunca serei do lar ». A rejeição da maternidade na Suécia

Temos o costume de explicar a decisão de algumas mulheres de não ter filhos pelas desigualdades existentes na divisão dos trabalhos domésticos e parentais e por aspectos ligados à carreira profissional das mulheres.  Este artigo busca compreender se a percepção das desigualdades de gênero no mercado de trabalho e na esfera privada fazem parte das razões subjacentes de algumas mulheres que rejeitam a maternidade na Suécia, uma das sociedades do mundo onde a igualdade entre homens e mulheres é mais avançada. Ele se fundamenta em uma serie de entrevistas com mulheres suecas que decidiram não ter filhos para analisar a maneira que elas relacionam essa decisão à desigualdade de gênero na sociedade em que vivem, no espaço profissional e familiar, onde a falta de igualdade influenciou a rejeição à maternidade. Para as mulheres entrevistas, a maternidade ameaça a igualdade de estatus no mercado de trabalho assim como suas relações com os homens.

n°36/2016 = A proeza e o risco   Alain Chenu e Olivier Martin O teto de vidro no ensino superior de sociologia e demografia A feminilização do ensino superior francês cresce: as disciplinas “sociologia e demografia” ilustram bem essa evolução, pois em 2012 44% dos professores pesquisadores em “sociologia e demografia” eram mulheres e em 1984 eram somente 24%. No entanto, esta feminilização crescente esconde a persistência de um teto de vidro. Este artigo mostra sua existência e procura explicá-lo. Para isso, a carreira de professor pesquisador é analisada etapa por etapa (qualificação, acesso aos postos de professor adjunto das universidades, eventual qualificação como professor titular ou acesso ao corpo docente) com o auxilio de dados individuais concernentes ao período 1984-2013. Se o acesso ao corpo de professor adjunto não parece estar (ou não mais) comprometido por uma desigualdade desfavorável às mulheres, o teto de vidro está situado no acesso ao corpo de professores titulares.   Antoine Duarte e Isabelle Gernet Heroísmo e defesas contra o sofrimento dos encarregados/encarregadas do socorro nas pistas de esqui. Apoiado numa pesquisa clínica em psicodinâmica do trabalho iniciada depois de um acidente fatal de um encarregado de socorro em uma estação de esqui, este artigo interroga os laços entre defesas coletivas estruturadas pela virilidade e a luta de uma mulher para defender sua identidade. Segundo os autores, esses laços só podem ser entendidos a partir dos processos psíquicos mobilizados na confrontação do sujeito com as limitações e obrigações do trabalho. Para isso, tratam o caso de Alexandra, a única mulher a exercer essa profissão arriscada em um coletivo de homens.   Angèle Grövel e Jasmina Stevanovic Atenção : mulheres a bordo ! Riscos e perigos da feminilização da profissão de Oficial da Marinha mercante A profissão de Oficial da Marinha Mercante é considerada e vivida como uma profissão de risco. A navegação nos navios de comércio apresenta dois grandes de perigos: o primeiro causado pelo mar, elemento imprevisível por excelência; e o segundo advém da imersão prolongada da tripulação em um espaço fechado e restrito. A composição exclusivamente masculina das tripulações era até recentemente uma característica da profissão. A recente feminilização é considerada tanto como uma ferramenta de manutenção da ordem de gênero como uma ameaça a conter. Partindo de duas enquetes realizadas com Oficiais, este artigo interroga os usos e os efeitos da feminilização nas relações e nas condutas de risco a bordo dos navios.   Florence Legendre Tornar-se artista de circo: o aprendizado do risco O risco ocupa um lugar central nas atividades de circo, principalmente porque ele compromete a integridade corporal dos artistas. As atividades físicas ditas a risco se apoiam em normas e valores  eminentemente masculinos mesmo o circo sendo ao mesmo tempo um espaço relativamente misto e claramente marcado pelo gênero, é portanto pertinente interrogar as experiências de aprendizagem da relação com o risco, como princípio organizador da socialização profissional dos e das artistas que logram a profissão. Como nos tornamos artistas de circo no prisma desses riscos profissionais? Os/as estudantes desenvolvem ao longo da trajetória de formação um trabalho biográfico de ajuste aos três elementos que emergem de suas narrações: (re)definição dos riscos profissionais, aprendizagem de controle dos riscos corporais e construção de uma postura de artista de circo.   Juliette Rennes Cocheiras parisienses, o risco como espetáculo Em Paris, dia 21 de fevereiro de 1907, várias dezenas de fotógrafos e de jornalistas se empurravam para serem os primeiros clientes das duas primeiras mulheres cocheiras em Paris. Desde 1906, as cocheiras então em aprendizagem, suscitavam reportagens e tornavam-se personagens de ficção nos espetáculos de revista, desenhos satíricos, primeiros filmes das empresas Pathé e Gaumont. Este artigo compara esta proliferação de artigos visuais e mediáticos sobre “a mulher cocheira” com arquivos do estado civil, do recenseamento, da estatística municipal e da prefeitura de polícia para investigar o processo pelo qual essas mulheres, frequentemente oriundas de classes de trabalhadores rurais, acedem a uma corporação percebida como masculina pela sua composição estatística e sua identidade social. O risco e a proeza encenados neste espetáculo das mulheres cocheiras, essencialmente destinado a divertir um público burguês, são então confrontados com os riscos efetivos que corriam essas mulheres particularmente visíveis e expostas no espaço parisiense enquanto mulheres minoritárias numa profissão masculina.   Denis Ruellan Repórteres de guerra Este estudo interroga a efetividade da feminilização das reportagens jornalísticas em áreas de conflito, a resistência ao mito da masculinidade desta atividade, a persistência de papéis diferenciados e de atribuições de gênero, e o saldo dos engajamentos e dos benefícios em termos de carreira profissional e pessoal. Mesmo se hoje os repórteres de guerra são frequentemente mulheres, a dinâmica de gênero, o processo de diferenciação e hierarquização das identidades continuam vigentes, penalizando as mulheres. Este estudo, apoiado num conhecimento histórico do jornalismo e da reportagem, é oriundo de uma enquete com entrevistas com cerca de vinte repórteres na França.   N° 35/2016 Mulheres dirigentes Anne-Françoise Bender, Rey Dang et Marie José Scotto Os perfis das mulheres membros de conselhos de administração na França Neste artigo, nós estudamos as variáveis indicadoras do capital humano e do capital social das mulheres e dos homens membros dos conselhos de administração das empresas do SBF[i] 120 em 2013, ou seja, dois anos depois da promulgação da lei sobre as quotas. Baseando-nos em pesquisas anteriores realizadas na França e nos Estados Unidos, nós comparamos os perfis demográficos, educacionais e a experiência profissional dos 1250 homens e mulheres membros dos conselhos do SBF 120 em 2013. Os resultados mostram que as mulheres têm percursos de profissionais e de formação semelhantes aos dos homens, comparado com um estudo similar que realizamos com dados de 2010. No entanto, algumas diferenças persistem entre homens e mulheres, quanto à natureza da experiência profissional e o tipo de mandatos exercidos. As explicações e consequências possíveis desses resultados são discutidas no artigo.   Sophie Boussard Sobreviventes: disposições improváveis de mulheres dirigentes na finança Ser uma mulher dirigente no mercado financeiro das fusões-aquisições é o resultado de duas proezas: conseguir entrar e permanecer em uma profissão explicitamente rotulada como masculina e alcançar os mais altos cargos. Este artigo interroga esta proeza, a partir de uma vasta enquete que combinou a base de dados dos atores que interviram em fusões-aquisições em 2010, de entrevistas biográficas e de observações do trabalho. Ele mostra como o ethos profissional do grupo, explicitamente masculino, atua como obstáculo restringindo o acesso das mulheres às posições de dirigentes. O acesso das mulheres depende então de uma combinação improvável de disposições que permite a adaptação a este ethos profissional masculino.   Alban Jacquemart, Fanny Le Mancq e Sophie Pochic Mulheres altas funcionárias do Estado na França, o advento de uma igualdade elitista Trazidas pela difusão de uma “gramática paritária”, as políticas de igualdade profissional se desenvolveram na função pública. A partir de uma enquete nos serviços de Bercy, este artigo evidencia as oportunidades seletivas de promoção oferecidas pelo contorno elitista dessas políticas : pouquíssimas mulheres, socialmente homogêneas, frequentemente egressas da Escola Nacional de Administração (ENA), conseguem quebrar o telhado de vidro, com a condição de provar sua dedicação à administração pública, à gestão pública e aceitar postos absolutamente absorventes ; ao mesmo tempo, as reformas do Estado e a competição reforçada pelos postos fragilizam as possibilidades de ascensão profissional de mulheres chefes nos serviços de gestão local, não egressas da ENA e vindas de meios sociais menos favorecidos.   Morgane Kuehni As migalhas do salariado : o engajamento ao trabalho dos sem emprego Baseada em uma enquete empírica com desempregados e desempregadas inscritos num programa de emprego temporário na Suíça romanda, o artigo questiona as razões evocadas para « assumir o posto » numa situação de trabalho às margens do salariado.  O acesso às trajetórias biográficas e às vivências permite mostrar que os limites dessas medidas de inserção profissional não são suficientes para explicar o engajamento ao trabalho dos sem emprego: os indivíduos evocam sempre razões múltiplas, que articulam dimensões materiais e simbólicas. A mobilização de uma perspectiva de gênero revela as diferentes relações de dominação às quais são submetidas as mulheres desempregadas tanto na esfera profissional quanto privada. Permitindo assim a problematização das questões sexuadas que designam o engajamento neste tipo de programa, especialmente o risco de voltar à inatividade ou desemprego.   Marion Rabier O céu de chumbo das organizações patronais Este artigo analisa o lugar das mulheres no espaço de representação patronal. Depois de ter apresentado os mecanismos de adesão às organizações patronais, o diagnostico do lugar das mulheres mostra que as empresárias são sub-representadas: seja em mandatos internos ou externos, elas são confrontadas às grandes restrições e ocupam menos de 15% dos postos com responsabilidades. Estabelecer o “pobre índice” da sub-representação das mulheres neste espaço permite  compreender elementos do seu funcionamento, principalmente concernentes às correlações de força para o acesso a certos mandatos, e amplamente, também a divisão sexuada do trabalho de representação patronal. Nas organizações patronais, as tendências vistas nas outras organizações políticas são bastante claras, as mulheres ficam nos mandatos sociais e nos mandatos com menor prestígio. São desigualdades importantes e aparentemente as organizações pouco se preocupam.   Hyacinthe Ravet Maestrinas, o tempo das pioneiras não acabou! Sim, de forma geral, a música permanece o espaço menos feminizado dos ofícios da criação e interpretação artística, a direção de um conjunto sinfônico é um caso paroxístico. Poucas mulheres são maestrinas. A grande maioria não consegue ganhar espaço no meio e ser reconhecida como os maestros. Estudar este universo de poder super hierarquizado e super. “masculino”, que resiste à entrada das musicistas, permite indagar questões simbólicas em torno do poder de criação. Permite interrogar a maneira pela qual o gênero atravessa os domínios de poder, como em todos universos de trabalho e de aprendizagem,  e –paradoxalmente? – os domínios da criação. Permite também observar a maneira pela qual o gênero das práticas sexuadas progressivamente se transforma. [i]               Índice da Sociedade de bolsas francesa.

N° 34/2015 Corpos dominados Gilles Combaz e Christine Burgevin A direção das escolas públicas na França Na França, desde o começo dos anos 2000, algumas medidas legislativas foram tomadas para promover o acesso das mulheres aos cargos dirigentes na esfera profissional. Os dados disponíveis mostram que, por enquanto, este objetivo está longe de ser atingido, principalmente no que concerne os cargos de gestão na esfera pública. Por outro lado, o acesso a cargos menos prestigiosos não se submete a essa tendência. É importante verificar em que medida a direção das escolas representa uma real oportunidade para as mulheres. Para essa análise, um dispositivo metodológico triplo foi elaborado: uma enquete exaustiva em 22 departamentos franceses constatou a repartição de sexos nas diferentes funções exercidas no ensino básico; uma pesquisa nacional realizada com questionários e uma série de 28 entrevistas foram realizadas para identificar os determinantes sociais para o acesso à função de direção. Delphine Gardey e Iulia Hasdeu Este obscuro sujeito do desejo Este artigo se interessa à conceptualização da sexualidade feminina no mundo ocidental a partir da segunda metade do século XIX. Ele retraça a maneira pela qual os saberes e as práticas medicais percebem o desejo feminino, suas falhas e disfunções. De objetos do desejo, as mulheres, um dia, são sujeitos. É então possível reivindicar o desejo e o prazer femininos como uma realidade, um bem e um direito. As noções de “disfunção” ou de “falha” são concebidas nos anos 70 uma vez que a normalidade do prazer feminino foi admitida. Avaliando do passado ao presente, trata-se de voltar às formas de medicalização da sexualidade e interrogar certos círculos discursivos e práticos. Trata-se também de evidenciar a parte atribuída à biologia e à cultura, à fisiologia ou à “psique” na definição de sexualidade feminina no espaço ocidental. Trata-se igualmente de situar e caracterizar o modelo biológico contemporâneo de sexualidade e como ele contribui a definir as esferas tanto íntimas como sociais. Laura Piccand Medir a puberdade. A medicalização da adolescência, Suíça 1950-1970 Entre 1954 e o final dos anos 70, um estudo longitudinal sobre o crescimento e o desenvolvimento da criança dita normal foi feito em Zurique. Medidos, fotografados, radiografados, aproximadamente 300 meninos e meninas da cidade de Zurique participaram então, durante mais de 20 anos, desta primeira enquete do gênero na Europa. Este artigo mostra como este estudo participa da criação de normas de gênero contemporâneas em torno da puberdade. Ele evoca primeiramente o contexto particular do aparecimento de estudos que participam de uma iniciativa descritiva e sobretudo de uma delimitação estatística do corpo humano e de seu desenvolvimento. Em seguida, a partir do exemplo de dois artefatos que permitem a avaliação da puberdade (os estados de Tanner e o orquiômetro de Prader) são discutidas as maneiras pelas quais esse tipo de pesquisa contribui na produção da puberdade como objeto científico e medical e no estabelecimento de normas de desenvolvimento, participando assim do controle dos corpos reprodutivos. Chikako Takeshita Biopolítica do DIU (dispositivo intrauterino) Baseado em exemplos de uso do DIU na China, no Vietnã, na Indonésia, em Bangladesch, no Tajiquistão, no Uzbequistão e na Nigéria este artigo se interessa às diversas maneiras que as mulheres dos países do Sul, conseguiram conquistar a capacidade de agir no âmbito reprodutivo, adotando ou rejeitando este dispositivo. Os objetivos e comportamentos reprodutivos dessas mulheres são influenciados por uma serie de pressões concorrentes vindas da família, da situação econômica e dos papéis sociais de sexo, assim como dos valores patriarcais dominantes e das políticas governamentais neomalthusianas. Dado que se trata de um dispositivo contraceptivo duradouro, controlado pelo fabricante, facilmente reversível e discreto, o DIU foi defendido tanto por atores feministas como por antifeministas. Este artigo destaca casos individuais nos quais este dispositivo contraceptivo teve um papel central permitindo às mulheres um melhor controle das suas vidas reprodutivas justamente onde a capacidade de agir era limitada. Michela Villani O sexo das mulheres migrantes. Excisões no Sul, clitoroplatias no Norte Originalmente definida como problema de saúde pública, a excisão do clitóris tornou-se desde os anos 2000 objeto de uma política de reparação da sexualidade. A genealogia desse novo crime (as mutilações sexuais) e o advento de uma nova deficiência (sexualidade sem clitóris) são estudados aqui numa perspectiva pós-colonial que faz dialogar os contextos cognitivos “daqui” e “de lá”. O percurso de uma normalidade social estabelecida por um ritual (excisão do clitóris) carrega a forma de uma anomalia corporal (mutilação) ou mesmo de uma anormalidade sexual (deficiência). Este artigo percorre experiências pessoais e sexuais das mulheres migrantes e das meninas migrantes da África subsaariana que moram na França e que formularam um pedido de reconstrução do clitóris no serviço hospitalar francês. As trajetórias desses dois grupos são estudadas num contexto de globalização que leva em conta as dinâmicas migratórias: a medicina se impõe na circulação de saberes e toma forma de justiça de procedimentos apta a promover a igualdade nos modelos de gênero recorrendo a reparações corporais e sexuais. Marilène Vuille A invenção do parto sem dor na França, 1950-1980 O método psicoprofilático de parto sem dor, desenvolvido na União Soviética, foi introduzido na França no começo dos anos 50 por médicos próximos do Partido Comunista francês. Além do objetivo medical –suprimir a dor sem recorrer a meios farmacológicos, ensinando as mulheres a parir- trazia o objetivo político de participar ao advento de uma sociedade socialista. Apesar das altas ambições, este método não se apoiava sobre tecnologias de ponta, mas sobre técnicas modestas e sobre dispositivos usuais. Estas técnicas não atingiram nem o objetivo medical (erradicar a dor) nem o objetivo politico (mudar a sociedade). No entanto essas técnicas tiveram efeitos importantes e duradouros, reforçando a autoridade profissional sobre as mulheres gravidas e habituando-as às praticas medicais. O estudo do parto sem dor permite assim repensar a historia do nascimento além da oposição clássica entre, de um lado, instrumentos, tecnologias e produtos farmacológicos julgados responsáveis da medicalização do nascimento e da instrumentalização do corpo das mulheres, e, de outro, das técnicas pouco instrumentadas, mais “naturais”, estimadas capazes de apresentar uma alternativa à medicalização e respeitar a autonomia das mulheres.   N° 33/2015 O gênero, a cidade Stéphane Le Lay Ser lixeiro(a) em Paris A profissão de lixeiro em Paris, mesmo se classificada na categoria de operário não qualificado, não pode ser compreendida sem a aná­lise de dimensões pouco levadas em conta nas qualificações profissionais, pois elas tratam do “drama social do trabalho” nas ati­­vi­dades restritas ao quadro do serviço (ao) público. Essas di­men­sões relacionais e afetivas são observadas atentamente pela municipalidade, como o efeito de duas grandes dinâmicas políti­cas. A primeira é ligada ao emprego das mulheres, abertura essa que trouxe mudanças ao trabalho. A segunda vem do aumento das exigências de limpeza: uma melhor qualidade de serviço e uma atenção à “imagem da cidade” são esperadas dos agentes de lim­peza. Assim, a profissão de lixeiro interroga à sua maneira o pro­ces­so de desagregação da classe operária, formando uma figura de “operário (a) de serviço” típico das classes populares atuais. Sophie Louargant Pensar a metrópole com o gênero As questões urbanas e territoriais não oferecem suficientemente e regularmente espaço para o debate sobre as perspectivas de gêne­ro. Comumente associada a um debate societal, a questão de gênero não teria então lugar na conceptualização do fato urbano e metropolitano, ao menos na concepção hexagonal, que é ao mesmo tempo reflexiva e operacional no que concerne as políticas terri­toriais e urbanas. A maneira como os espaços são ocupados, como é permitido ocupar estes espaços nas formas de urbanidades contem­porâneas mostra que as questões de gênero se inscrevem na história das lutas sociais urbanas, mas também numa ação política contemporânea trazida pelas ideologias do bem-estar urbano, da ecologia urbana. Este artigo retraça os efeitos concomitantes das utopias feministas e ecologistas no campo atual da concepção urbana. A análise dos usos dos espaços da natureza na aglome­ração de Grenoble explicita os efeitos da concepção androcentrada e hetenormativa dos espaços da natureza refe­rente aos usos, representações e gestão dos lugares. Maud Navarre Tomar a palavra em sessão plenária Este artigo analisa as tomadas de palavra pelas mulheres e pelos homens nas sessões plenárias de três instituições políticas locais. O objetivo é compreender em que medida as modalidades de inter­venção oral, que têm um papel central na aquisição de legitimi­dade para o exercício de cargos eletivos, diferenciam-se em função do sexo, levando em conta: a observação das interações, a análise quantitativa das intervenções orais e das entrevistas sobre esse exercício oratório. Os custos de tomar a palavra são mais elevados para as mulheres do que para os homens. Essas diferen­ças são acentuadas nas assembleias mistas. As maiores dificul­dades vivenciadas pelas mulheres levam-nas a mobilizar compor­tamentos alternativos, variáveis segundo a experiência política. Yves Raibaud Sustentável mas desigual: a cidade Este artigo interroga projetos urbanos que parecem encontrar consenso nas cidades europeias (penalização do tráfico automobi­lís­tico urbano, estímulo ao uso de motos e motocicletas, de bicicletas e de caminhada, de trens elétricos e de outros transportes coletivos, de compartilhamento de carros particulares) do ponto de vista das desigualdades entre mulheres e homens, partindo de uma série de pesquisas feitas sobre a aglomeração urbana de Bordeaux (França). A análise de uma pesquisa sobre mobilidades mostra que as mulheres seriam desfavorecidas por essas medidas, tanto pelas tarefas incumbidas a elas (acompanhamento das crianças, pessoas idosas, compras etc.),em razão de terem menor habilidade para os transportes alternativos, ou pelo sentimento de vulnerabilidade no espaço público (medo de agressão em alguns bairros e durante a noite). Quem se beneficia da cidade susten­tável? Como e onde são decididos esses novos hábitos? Como são implementadas as mudanças necessárias à transição a esta cidade descrita por seus incentivadores como suave, tranquila, bonita, calma? Este artigo apresenta a hipótese que as boas práticas da cidade sustentável parecem muito com as novas estampas da dominação masculina LidewijTummers Estereótipos de gênero na prática do urbanismo Tradicionalmente, os projetos de organização dos territórios “inclu­sivos” focavam nos “grupos vulneráveis” como “elemento deco­rativo” e não como atores. Nos anos 90, pesquisadoras feministas europeias e urbanistas desenvolveram novos métodos para suprir essa carência. A avaliação dessas novas abordagens de planificação, fundadas na “perspectiva integrada de igualdade”, mostra que o gênero é levado em conta de forma limitada, e dentro do que convém ser explicado. Esta contribuição questiona, nas profissões do desenvolvimento urbano, os estereótipos ligados ao gênero e as hipóteses que podem reforçar os papéis de sexo ligados ao gênero. Ela discute quatro tipos de estratégias nas políticas integradas de igualdade de sexos. Essas evidenciam os efeitos dos códigos de gênero na prática, por exemplo sobre a densidade, o uso misto das ruas, mas também sobre as questões de serviço, de segurança e de acessibilidade. Além disso, o artigo dá visibilidade ao potencial das demandas sensíveis ao gênero, tanto como força inovadora para a pesquisa em urbanismo como para relações entre dinâmicas sociais e espaciais.

n° 31/2014 Tania Angeloff e Céline Bessière com a participação de Arnaud Bonduelle, Jéromine Dabert e Gaston Laval Ensinar gênero: um dever de dissidência Este artigo trata da prática de uma cadeira sobre gênero introduzida no Master 1 de uma universidade parisiense, Paris-Dauphine, especializada em economia, em gestão e em finanças. A originalidade do artigo está no confronto dos pontos de vista de duas professoras, que estavam na origem deste curso de introdução ao gênero em sociologia e de três estudantes da última turma que se dispuseram ao exercício reflexivo e retrospectivo da seguinte questão: o que faz o gênero aos estudantes? E inversa­mente, que fazem os estudantes de uma cadeira como esta de gênero, no contexto de uma formação em ciências sociais tão abrangente? Distante de um artigo teórico, trata-se de partir dos relatos estudantis concretos para se interrogar sobre a pedagogia do gênero em sociologia, suas questões políticas e científicas, seus limites, sua (des)legitimação. Neste escrito polifônico, Tania Angeloff e Céline Bessière tentam avaliar suas práticas de profes­soras de gênero – prática marginal no contexto institucional –, e de colocar em perspectiva os três relatos individuais das/dos estu­dantes, entre os quais um é bastante crítico. Xavier Cinçon e Agnès Terrieux Substituir as agricultoras:uma história da licença maternidade na agricultura A história da licença maternidade é a de uma politica social colocada ao serviço dos interesses masculinos por meio de instru­mentos de ação pública de gênero. O recurso imposto pelos serviços de substituição agrícola, plenamente voltados à substituição dos homens agricultores, é reforçado por um procedi­mento subordinan­do à utilização da prestação às decisões do chefe da exploração agrícola. O que acarretou no proveito oportunista do explorador da mão-de-obra assalariada, de uma política destinada à substituição de sua cônjuge, contribuindo assim a privá-la de uma política destinada a ela mesma, para fornecer recursos de desenvolvimento à atividade de substituição. A tal ponto que, em seguida, os serviços de substi­tuição tomaram para si o engajamento em melhorar este direito das mulheres, substituindo assim as porta-vozes femininas, no objetivo de consolidar uma renda indispensável para a profissionalização das mulheres.Érika Flahault, Annie Dussuet e Dominique Loiseau Emprego associativo, feminismo e gênero O feminismo dos anos 70 conduziu a criação de redes associativas hoje incontornáveis: Planejamento Familiar, Centro de informações sobre os Direitos das Mulheres e das Famílias, Federação Nacional Solidariedade Mulheres. Estas redes, produtoras de um serviço de defesa e de acesso aos direitos para as mulheres, ocupam uma função de “serviço público”, graças ao emprego de assalariados principal­mente de mulheres. A partir dos resultados de uma pesquisa qualitativa monográfica com as associações dessas redes, nós mostra­remos que, se podemos observar nestas organizações condi­ções de emprego frequentemente precárias, é preciso, sem dúvida, relacionar essas constatações às condições de emprego nas quais estão inseridas as mulheres em outros setores da economia. Paradoxal­mente, parece que estas organizações feministas simples­mente reproduzem as normas de emprego estruturadas pelo gênero.Nathalie Lapeyre Um ensinamento único no seu gênero Este artigo visa clarificar alguns elementos de reflexão oriundos de uma experiência singular de ensinamento de gênero na universidade. A presente análise de um processo de institucionalização dos estudos feministas esta ancorada essencialmente na primeira formação profissional francesa dedicada ao gênero. Esta última é centrada na questão da análise das políticas sociais sob o prisma das relações sociais de sexo. Ela foi criada há aproximadamente vinte anos por colegas universitárias e profissionais, pioneiras no departamento de sociologia. Não perdendo de vista que o gênero é muito mais que um ensinamento, pela sua dimensão científica, simbólica e política, nós enfatizamos a gênese dessa historia coletiva, as realizações e conquistas num contexto de oportunidades, assim como os verda­deiros desafios a enfrentar. Os efeitos sociais da implementação de um mestrado profissional, ou o espaço ocupado pelo gênero fora da universidade, serão igualmente abordados, principalmente sob o enfoque da dinâmica atual das questões de igualdade homens-mulheres.Michelle Perrot História das mulheres, história do gênero Este artigo lembra que nos anos 70, em Paris-Diderot, a criação dos primeiros cursos sobre as mulheres tornou necessárias as primeiras pesquisas e as primeiras produções de saber, já que as mulheres não apareciam na história acadêmica. Era então necessário dar visibilidade e inovar os recursos e métodos para criar novos saberes. Muito rapidamente as pesquisadoras passaram da história das mulheres para a história do gênero, afirmando que não é possível conceber a história das mulheres sem refletir sobre a relação com o outro sexo. Essas historiadoras desenvolveram suas pesquisas discutindo com a sociologia, com os estudos anglos americanos e com historiadoras americanas, em particular, com aquelas que trabalham no âmbito francês. Este artigo testemunha o entusiasmo dessa época pioneira. William Poulin-Deltour O que resta dos nossos cursos sobre gênero? Refletindo sobre minha prática pedagógica de professora de Gender Studies numa pequena universidade da Nova Inglaterra, eu retorno à ideia de que os Estados Unidos seriam a Meca mundial dos estudos sobre gênero. Apesar deste campo de estudos parecer efetivamente prosperar aqui, as aparências podem nos enganar. Eu analiso os conhecimentos dos estudantes americanos sobre o gênero no começo e no fim do curso de Gender Studies . Minha experiência revela que, a maioria deles, chega ao curso com uma visão essencialista de um sistema de gênero heterossexual e binário, e que, sobrecarregá-los com textos de Judith Butler e de Michel Foucault não é o melhor meio de subverter as ideias de lugar comum. No final do artigo, eu chego à conclusão que talvez seja a minha própria pedagogia que deva mudar para encorajar os estudantes a pesquisar sobre o gênero, explorando os recursos originais e contemporâneos, para que eles integrem não tanto o que é o gênero, mas o que ele faz.Muriel Salle Formação dos professores: as resistências ao gênero A implementação do programa do abcd da Igualdade, em outubro de 2013, num contexto de tensão decorrente do voto da lei sobre o casamento dito “por todos”, colocou em destaque na mídia as ações pedagógicas que visam promover a igualdade entre meninas e meninos no sistema escolar, algumas delas, no entanto, já antigas. Na Academia de Lyon, há mais de 10 anos, os professores recebem uma formação sobre as problemáticas de gênero e igualdade entre os sexos. Essas formações, mesmo que globalmente muito bem recebidas, às vezes suscitam resistências, ainda que os professores sejam muito interessados e se declarem preocupados em promover a igualdade meninas/meninos e mulheres/homens. É à análise desse paradoxo que consagra este artigo que pretende propor uma tipologia dessas resistências e sugestões para remediá-las.n° 32/2014 Mathieu Caulier O preço do engajamento Assalariados e militantes no México Depois das conferências da onu no Cairo e em Pequim (1994 e 1995), as normas “de gênero” se consolidaram como parte essen­cial do discurso democrático ocidental, ao qual o governo mexi­cano subscreveu formalmente. Diante dos custos para o desenvol­vimento das novas políticas “com perspectiva de gênero”, o Estado e as unidades federativas recorreram a grupos de mulheres e orga­ni­zações feministas para desenvolver as novas políticas públicas repletas de normas internacionais. Sociólogos, psicólogos, peda­gogos e médicos – assalariados de ong’s contribuem no desenvol­vi­mento dos programas públicos que são principalmente de saúde, mas também, programas educativos concernentes à educação sexual. O fato dos assalariados serem frequentemente militantes permite que a precariedade seja vivida como engajamento, engaja­mento este que é usado pelos poderes públicos para diminuir os custos dos programas sociais. Yoann Demoli As mulheres pegam o volante Ainda que a popularização do automóvel tenha sido estudada pela sociologia dos anos 70, as análises permaneciam indiferentes às diferenças de gênero. E nesta época, as mulheres estavam excluí­das dessa massificação. A apropriação dos automóveis pelas mulhe­res se revela ambivalente, levando-nos ao questionamento sobre como apreender um possível paralelismo de práticas de mobilidade entre homens e mulheres. Se o automóvel foi frequen­te­mente considerado um meio emancipatório, ele pode se revelar uma ferramenta para prolongação dos papéis sexuados nos domicílios. Da mesma forma que os aparelhos domésticos não são necessariamente emancipatórios, mas frequentemente, intensifi­ca­dores do trabalho doméstico, o automóvel talvez tenha se tornado o veículo do prolongamento do trabalho doméstico. Nós tentaremos responder a estas questões analisando dados de en­quetes sobre o setor de transportes da Insee feitas entre 1980 e 2008, o outorgamento de carteiras de habilitação e às lógicas de uso do automóvel pelas mulheres.Isabel Georges Reconfiguração das políticas sociais no Brasil Este artigo propõe uma reflexão socio-histórica sobre o papel da assistência no estado atual da democracia no Brasil, a partir da relação com o lugar ocupado pelas mulheres no seio dessas “novas” políticas sociais. Ele analisa a implementação dessas políticas no nível local, em São Paulo, a metrópole mais dinâmica do país. A partir do estudo da organização do setor de assistência em São Paulo, a análise interroga as relações entre os dilemas dos agentes de execução na realização do trabalho e o lugar da mobili­dade social, para compreender os avanços e os limites des­sas novas políticas sociais. Mostraremos então, como a aquisição de algumas vantagens relativas em termos de acesso ao emprego para algumas, e o acesso, via promessa, de uma mobilidade social ascendente relativa para outras, tornam a generalização do tra­balho precário socialmente aceitável e justificam a institu­ciona­lização da discriminação por meio de políticas públicas de “inclusão”, como as de assistência.Manuella Roupnel-Fuentes Sofrimento no desemprego Por muito tempo os danos do desemprego de massa foram apre­en­didos a partir do masculino, as formas das mulheres de viverem a privação de emprego sendo pouco estudadas e mal conhecidas. Nesta pesquisa feita com homens e mulheres demitid-o-a-s, de fábricas fechadas e não retomadas de Moulinex na Baixa-Nor­mandia, aparece a singularidade feminina na experiência do desem­prego. Em comparação com a vivência dos homens, o sofrimento das desempregadas é mais marcado pela prevalência de perturbações de saúde, isolamento social e confinamento domi­ciliar e indenitário. Os homens ficam, com mais frequência, dis­tan­tes desses sentimentos, em parte, em razão de terem maiores chances de reinserção profissional, mas também, graças à manu­tenção das antigas relações profissionais. A experiência do desem­prego não é redutível à privação de emprego, pois acompanha claramente uma ruptura que abrange uma infinidade de áreas da vida, especialmente a saúde, as relações e identidades sociais. Lucie Schoch e Fabien Ohl Mulheres no jornalismo esportivo na Suíça Este artigo apresenta os resultados de uma enquete sócio-etno­gráfica na imprensa cotidiana esportiva da Suíça romanda. Ele salienta dois registros vocacionais de jornalistas de esporte, num contexto de feminilização desse grupo profissional: os homens evocam uma vocação para o jornalismo esportivo atrelado à pai­xão pelo esporte, e as mulheres se mostram mais propensas a atribuírem um amor à escrita e ao jornalismo. Essas vocações contrastadas têm um papel fundamental nas relações de poder entre os sexos nas redações esportivas: constroem uma definição legítima da profissão em torno da paixão pelo esporte, e impedem a conversão de mulheres jornalistas nesse modelo de socialização profissional, dessa forma, as mulheres são designadas a posições subalternas e excluídas dos cargos de decisão nas redações. Shi Lu Figuras de migrant-e-s na China Este artigo se apoia numa entrevista com uma mulher migrante em Yiwu no estado de Zhejiang. Através desse relato de vida de comerciante, procuraremos investigar o fenômeno migratório de uma zona rural para uma outra e do campo às pequenas cidades. O percurso migratório e profissional desta mulher migrante nos ajudará a compreender como os migrantes acumulam e articulam seus recursos econômicos e sociais e usam suas redes de contato e competências para inserção econômica e social.

N° 29, 2013 Manter-se no trabalho Jyothsna Latha Belliappa « Ela era muito extrovertida »: assédio sexual e conduta feminina O setor das novas tecnologias na Índia tem a reputação de acolher favoravelmente as mulheres que são recrutadas, inclu­sive uma política progressista em relação a elas foi implemen­tada e o setor assumiu uma posição veementemente contrária à discriminação e ao assédio sexual. A despeito da existência de regulamentações e proce­dimentos, os casos de assédio sexual não desapareceram e precisam ser estudados. Este artigo se baseia numa pesquisa qualitativa para estudar as experiências de mulheres que trabalham nos setores de novas tecnologias na Índia assim como as respostas das gerência às denúncias de assédio sexual. O artigo trata principalmente da influên­cia das normas culturais relativas aos comportamentos das mulheres nas posturas tomadas pelas chefias nos casos de denúncias de assédio. O artigo conclui que se a adoção de regulamentações pode constituir uma etapa decisiva na criação de um ambiente profissional propício às mulheres, isso não é suficiente para contrabalancear os efeitos de uma cultura androcêntrica tanto nas posturas das chefias como nas das vítimas. Sandrine Caroly, Marie-Eve Major, Isabelle Probst e Anne-Françoise Molinié O gênero das lesões por esforço repetitivo (ler) Este artigo trata da validade da análise ergonômica da atividade para compreender a ocorrência de distúrbios osteomusculares ligados ao trabalho, assim como das estratégias desenvolvidas pelas trabalha­doras e trabalhadores com intuito de controlar a dor. Após a realiza­ção de um levantamento estatístico, dois casos de pesquisa-inter­ven­ção, um com homens e mulheres no setor automobilístico e outro com mulheres no setor agroalimentar aparecem as diferenças de exposição à ler de acordo com a divisão sexual do trabalho. A integração de uma perspectiva de gênero na ergonomia traz um novo olhar sobre o trabalho dessas mulheres e sobre o corpo em sofrimento no trabalho. Marianne De Troyer, Guy Lebeer e Esteban Martinez A precariedade das operárias de limpeza na Bélgica As condições de trabalho no setor de limpeza são muito penosas e constrangedoras, trata-se do resultado das desregulamen­ta­ções introduzidas pelas subcontratações e pelo trabalho em jornada parcial e em turnos, condição recorrente no trabalho das operárias da limpeza. Este artigo discute as respostas, ainda raras e emer­gentes sobre a precariedade e as desigualdades de sexo produzidas pela organização dos ambientes de trabalho deste setor de ativi­dade. Algumas dessas respostas podem ser qualificadas de cole­tivas, pois elas são fruto de iniciativas tomadas por interlocu­tores sociais do setor. Por outro lado, a última experiência apre­sentada é resultado de uma iniciativa individual e privada, baseada em informações e no reconheci­mento pelas chefias de uma empresa de limpeza da penosidade das condições de trabalho e das dificul­dades para as trabalha­doras em articular o tempo profissional e familiar. Karen Messing e Katherine Lippel O invisível que dói A partir de preocupações com a igualdade e com as reivindicações sindicais dos anos 70, formaram-se parcerias entre universidade e sindicato, que desenvolveram formações e pesquisas sobre a saúde de trabalhadoras do Quebec. Diferentes temáticas surgiram, entre elas, o reconhecimento da dificuldade de algumas tarefas exigidas, principalmente das mulheres: a conciliação das necessidades eco­nô­micas das mulheres e seu papel na reprodução biológica, os obstáculos à integração e à estabilidade das mulheres nos empre­gos em geral, como também o direito à indenização das trabalha­doras diagnosticadas com lesões por esforço repetitivo (ler). O estudo de várias dessas temáticas exigiu que pesquisa­doras em Ergonomia e em Direito reexaminassem os métodos e as perspec­tivas de suas disciplinas, na tentativa de ajudar as trabalhadoras a conquistar a igualdade profissional, conservando a saúde. Ivana Obradovic e François Beck Moças entorpecidas Existe uma feminilização do público acolhido, por uso de ma­conha, nos organismos de assistência? Em 2007, quase 20% da população dos usuários de drogas recebida nas “consultas de jovens consumidores” são mulheres. O artigo descreve as especifi­ci­dades deste público feminino, mostrando as diferenças com os homens usuários, do ponto de vista dos perfis sócio demográficos, das práticas de uso e das motivações de consumo. O público feminino, em média com idade superior, representa a maior pro­por­ção de pedidos espontâneos e pedidos de ajuda para diminuir o consumo. As mulheres acolhidas no organismo declaram, de fato, níveis de consumo de maconha elevado, frequentemente uso mais intensivo e associado ao poliabuso de substâncias ilícitas ou medicamentos psicotrópicos. O uso feminino da maconha é centra­do em motivações “auto terapêuticas” ligadas ao controle da an­gús­tia. O público masculino, ao contrário, concerne principalmente usuários de maconha encaminhados pela justiça, frequentemente de 18 a 25 anos, inseridos socialmente, que justificam o uso a partir de considerações hedonistas e contextos de sociabilidade. Livia Scheller, Liliana Cunha, Sónia Nogueira e Marianne Lacomblez O tempo das motoristas de ônibusna França e em Portugal As pesquisas em Psicologia do trabalho e em Ergonomia da ativi­dade apresentadas aqui comparam os sinais de uma transformação da organização do trabalho nas profissões relacionadas ao trans­porte coletivo. Numa primeira experiência (francesa), a chegada das mulheres numa atividade historicamente exercida por homens induziu indiretamente a uma nova maneira de conceber o tempo entre espaço profissional e espaço doméstico. Uma pesquisa portu­guesa parece mostrar, ao contrário, que isso pode ser um evento paralelo a uma desestabilização negativa da gestão do trabalho humano. Sobre a questão do tempo de trabalho, as mulheres procuram de maneira mais evidente uma adaptação às atividades próprias do espaço dito privado. A resposta às demandas é majo­rita­riamente indireta, porém “o seu custo” relacionado à saúde e/ou à trajetória profissional é evidente. n° 30, 2013 Gênero, feminismo e sindicalismo Alex Alber Um teto de vidro mais baixo no setor público? Por meio da pesquisa coi 2006, que fornece dados quantitativos comparativos entre os setores público e privado, o artigo estuda o espaço ocupado pelas mulheres nas funções de chefia nos dois setores, distinguindo, por um lado, a função executiva enquanto status – (ou executiva A no setor público) – e, por outro lado, a função executiva enquanto responsabilidade: ter subordinados. O artigo mostra que há mais mulheres em cargos de chefia no setor público do que no setor privado e que as mulheres executivas desempenham com maior frequência um papel de chefia com equipes, na média, mais numerosas. No entanto, coeteris paribus (mantidas inalteradas todas as outras coisas), os resultados devem ser reconsiderados: embora o acesso ao status de chefia seja difícil para as mulheres tanto do setor público quanto do setor privado, as mulheres do setor público, ficam em situação particularmente desvantajosa quando se trata de alcançar as funções com respon­sabilidades hierárquicas pois elas são orientadas, na maioria das vezes, a serem executivas especialistas do que a ocupar cargos de chefia. No entanto, em um contexto de valorização crescente das funções de chefia no serviço público, esta dificuldade maior no acesso das mulheres a postos de chefia é sem dúvida um dos elementos explicativos da permanência do “teto de vidro” contra o qual se chocam as mulheres executivas do setor público. Sophie Béroud Uma campanha de sindicalização no feminino Este artigo retraça uma experiência de sindicalização junto às cuidadoras domiciliares realizada de um departamento francês e com meios muito limitados. A iniciativa partiu das militantes da CGT que se disponibilizam para contornar as dificuldades estruturais existentes neste setor altamente feminizado: horários valorização das qualificações, relações ambíguas com a associação que é o empregador. Ao organizar reuniões fora dos locais de trabalho, estas militantes retomam as práticas do início do movimento sindical e acompanham as implantações passo a passo. As modalidades de ação privilegiadas por elas são muito pouco hierarquizadas e centradas na criação de espaços de discussão sobre o trabalho em si, favorecendo assim a participação destas assalariadas situadas na parte inferior da escala social. Mas essa experiência só é possível porque ela se situa, de certa maneira, às margens das estruturas sindicais, et reflete desta forma uma divisão sexual do trabalho militante. Christophe Giraud e Jacques Rémy Divisão conjugal do trabalho e legitimidade profissional O artigo trata do surgimento de novas atividades mercantis na agricultura, no cruzamento das identidades profissionais e da divisão sexual do trabalho no seio do casal. Evidenciamos a existência de dois tipos de diversificação: a primeira « em descontinuidade » com as atividades centrais da agricultura (venda direta, transformação, recepção de turistas) diz respeito principalmente às agricultoras; a segunda « em continuidade » com o cerne da profissão agrícola (trabalhos agrícolas artesanais específicos, atividades agroambientais) concerne sobretudo o chefe da propriedade. A concepção da profissão de agricultor permanece centrada em tarefas técnicas de cultivo ou de pecuária e a divisão sexual do trabalho afeta os homens no mundo profissional, distanciando as mulheres. Então, os chefes da propriedade deixam para suas cônjuges a possibilidade de construir e de dominar de forma autônoma estes espaços profissionais novos, considerados menos importantes em relação às atividades estritamente agrícolas. Cécile Guillaume A mobilização dos sindicatos ingleses em favor da igualdade salarial (1968-2012) Desde os anos 70, os sindicatos ingleses estão implicados em diferentes formas de mobilização jurídica visando à obtenção da igualdade salarial, através, principalmente, do acompanhamento de pessoas que denunciam nos tribunais. Este engajamento na luta contra as discriminações feitas às mulheres seria a consequência direta da feminização das e dos aderentes e das políticas de mixidade dos sindicatos? Baseado em uma pesquisa que cruza dados fornecidos pelas entrevistas com os principais atores desta mobilização e documentos de arquivos, este artigo ressalta a influência das greves de mulheres e de grupos feministas na obtenção de uma legislação em 1970 e a importância da estratégia judiciária conduzida por uma agência não governamental, a Equal Opportunity Commission , na evolução e aplicação do direito inglês nos anos 1980. Em seguida, esta pesquisa destaca o papel de certos homens, sindicalistas ou advogados engajados, que nos anos 90 se servem do direito anti-discriminatório a fim de lutar contra as políticas de reestruturação conduzidas pelos governos conserva­dores e de propor a sindicalização nos serviços públicos e priva­dos. No entanto, esta mobilização jurídica pouco modificou as práticas convencionais discriminantes, caucionadas por negocia­dores sindicais (homens). Cada vez mais numerosas, no topo e na base dos sindicatos, as mulheres dificilmente conseguem se impor nas instâncias de negociação coletiva descentralizadas, frente à empregadores irredutíveis, em um contexto de desregulamentação do mercado de trabalho inglês. Gill Kirton e Geraldine Healy Estratégias a favor da democracia de gênero nos sindicatos Este artigo visa expor o que aproxima e separa os responsáveis sindicais no Reuno-Unido e nos Estados Unidos quanto às estratégias de igualdade dos sexos, colocadas em prática em seus sindicatos, para fazer progredir a democracia de gênero. O estudo se baseia em uma pesquisa qualitativa de dois anos, realizada com 134 representantes sindicais dos dois países, pautada na observação-participante e na análise secundária dos dados quanti­tativos. Guiado concomitantemente por uma perspectiva de gênero e comparativa, este estudo destaca tanto as convergências quanto as divergências dos responsáveis sindicais britânicos e americanos em relação às medidas tomadas por seus sindicatos a favor da igualdade dos sexos. Além disso, examina a eficácia dessas estraté­gias para melhorar a representação feminina nas instâncias de direção e de decisão. O artigo relata também a posição de fraqueza das mulheres nas organizações sindicais e os obstáculos sociais e estruturais que elas encontram com freqüência quando querem promover e defender estratégias igualitárias reformadoras. Yannick Le Quentrec Militar em um sindicato feminizado: a sororidade como recurso As militantes da federação cgt da saúde e da ação social, ainda que oriundas de um setor profissional cujos quadros sindicalistas efetivos são majoritariamente femininos, têm condições de traba­lho mais desfavoráveis do que os homens. Elas têm menos meios para agir e mais restrições sindicais, profissionais e familia­res. Elas enfrentam também uma unanimismo sindical que legitima a domi­nação masculina. Mas contraditoriamente, a orga­ni­za­ção sindical faz progredir a igualdade interna e externa quando diri­gentes voluntaristas feminizam as direções sindicais e favorecem a mili­tância das mulheres, integrando as expectativas de maleabili­dade das militantes e favorecendo os laços de solidariedade feminista entre elas. Estes resultados, mais visíveis a partir do campo de pesquisa, resultam da observação-participante. Eles incitam a questionar as interações entre os/as pesquisa­dores/pesquisado­ras e os/as sindicalistas. Vanessa Monney, Olivier Fillieule e Martina Avanza Os sofrimentos da mulher-cota Este artigo parte de uma constatação bastante rara: em alguns anos, o mais importante dos sindicados suíços – unia, conseguiu alcançar um grau elevado de feminização de suas instâncias e de seus quadros políticos, ainda que 80% de seus membros sejam homens. Nós mostramos a princípio, a partir de dados objetivos, como uma política proativa de cotas, apoiada na necessidade de desenvolver a feminização do setor terciário, se combina com a profissionalização do trabalho de sindicalista para explicar este sucesso. Ao mudar de escala, nós mostramos em seguida, baseados em entrevistas biográficas realizadas com secretários e secretárias sindicais, que a feminização do sindicato, quando realizada de forma forçada, gera igualmente efeitos perversos: forte turn-over do pessoal feminino, burn out , estigmatização da “mulher-cota”, sexismo, difícil conciliação entre vida privada e vida profissional marcam de forma efetiva as carreiras femininas na Unia. Nós evidenciamos, então, os limites de uma política voluntarista de feminização quando esta não é acompanhada de uma mudança profunda na cultura organizacional do sindicato que permanece , hoje, profundamente, androcentrado.

N° 27, 2012 Poderes, gênero e religião Clément Arambourou O eclipse de uma política municipal de gênero Os trabalhos sobre as políticas locais de gênero empreendidas mostraram a frequente postergação de seus programas de ação. Interessam-nos tais problemas envolvendo a perenidade das polí­ticas locais de gênero a partir do cruzamento das sociologias da ação pública e da vida política. O eclipse de uma política municipal de gênero é, dessa forma, colocado em relação com as lutas pela liderança local e as dificuldades de institucionalização do dispo­sitivo de ação pública considerado. A mobilização desse recurso que as políticas municipais de gênero podem constituir está, dessa maneira, ligada às disposições do prefeito, à sua posição no espaço político local e às janelas de oportunidades políticas sucessivas. Béatrice de Gasquet Masculinidades e o sentido das « honras » A partir de uma “enquete” etnográfica nas sinagogas não orto­doxas na França, este artigo analisa a divisão sexuada do ritual nas correntes religiosas recentemente abertas à feminilização, e a maneira pela qual a participação no ritual da leitura da Torá constrói uma subjetividade judia de gênero. Sendo um objeto de codificações religiosas complexas, variando de um movimento a outro, a elegibilidade para tal ritual demarca fronteiras de gênero e étnicas. No judaísmo ortodoxo, apenas os homens podem disputar entre si a possibilidade de representar ritualmente o povo judeu. Nas sinagogas observadas, se as mulheres participam do ritual, se apropriam dele de modo diferente; consideram-no em menor número como uma honra que se quer buscar, em uma lógica hie­rár­quica e comunitária, e são mais numerosas a considerá-lo como um ato individual. Hilary Kalmbach No caminho de Damasco Este artigo se apoia no conceito de autoridade para analisar a autoridade religiosa das mulheres no islã contemporâneo, interes­sando-se mais particularmente por Huda al-Habash, professora em uma mesquita síria. Os exemplos históricos podem servir de inspi­ra­ção às mulheres engajadas nos movimentos das mesquitas contem­porâneas, que pregam uma renovação islâmica, mas esses movimentos, e aquelas e aqueles que o conduzem são produto de evoluções próprias do século xx. As professoras de mesquita como Huda al-Habash podem contribuir para transformar sutilmente o estatuto das mulheres no seio desses movimentos e nas comuni­dades em que elas aparecem. Françoise F. Laot As esposas dos ouvintes Um dos lapsos da história dos anos 1960, revelado pelo filme Retour à l’école? , é o esquecimento das mulheres como alvo da política de promoção social, ou seja, de formação de adultos. Como esposas, no entanto, são reconhecidas pelo papel central de suporte aos seus maridos, ouvintes dos cursos noturnos. É precisamente esse papel bastante específico que nos propomos a analisar neste artigo. Cruzando-se os discursos produzidos sobre as esposas nas instâncias nacionais de condução da promoção social e os dis­cur­sos fílmicos que mostram três esposas de ouvintes entre­vis­tados ao lado de seus maridos em 1966, este artigo se propõe a reconstituir as concepções pedagógicas que inspiram tais políticas. Sarah-Jane Page Mulheres, mães e pregadoras na Igreja da Inglaterra. Que sacerdócio! Este artigo mostra como a Igreja da Inglaterra integrou profis­sional­mente as mulheres sacerdotisas e coloca em evidência a for­ma pela qual essas mulheres negociam sua presença em um contexto de discriminação. Ainda que a oposição geral à presença das mulheres no sacerdócio tenha diminuído, redutos de oposição persistem. Além disso, o modo pelo qual as mulheres negociam sua presença na organização depende estreitamente de sua posição hierárquica na Igreja. No mesmo raciocínio, ser sacerdote e mãe constitui uma dimensão suplementar que explica o posiciona­men­to delicado dessas mulheres em uma estrutura de trabalho que é também um espaço de expressão do sagrado. O artigo, portanto, interessa-se por questões como o início da licença maternidade e a volta ao emprego depois do parto. Linda Woodhead As diferenças de gênero na prática e na significação da religião Este artigo trata a influência crescente dos estudos de gênero na sociologia das religiões e faz uma síntese das principais publicações sobre esse tema na literatura de língua inglesa. O artigo mostra que a introdução de uma perspectiva de gênero tem consequências relevantes; dentre elas, pode-se citar, entre outras, o fato de se repensar o conceito de “religião” e as formas de religiosidade valorizadas (frequentemente aquelas em que os homens são mais visíveis e dispõem de mais poder), mas isso também implica uma adaptação dos métodos e o questionamento das teorias dominantes, como aquela da secularização. E ainda, a história religiosa das sociedades ocidentais pode ser relida em função das transformações das relações de gênero, operando-se assim uma ligação entre gênero e religião. O artigo propõe um novo quadro de análise para articular gênero e religião, o que coloca em evidência a maneira pela qual as relações de poder em um ou outro domínio se opõem ou se somam. N° 28, 2012 Variações França/Estados Unidos Magali Barbieri As Maternidades precoces nos Estados Unidos Os Estados Unidos lideram a classificação de fecundidade de adolescentes nos países desenvolvidos com a taxa de 42 por mil entre 2005 e 2010. Após mostrarmos alguns elementos quantita­tivos para situar os Estados Unidos em relação a outros países desenvolvidos, descrevemos em detalhes o nível e as tendências de fecundidade em menores de 20 anos neste país a partir de uma análise de dados do estado civil. Em seguida, avaliamos o efeito de variáveis intermediárias (nupcialidade, sexualidade, utilização da contracepção e recurso ao aborto) antes de discutir, na última parte, sobre a função do contexto cultural, político e socioeco­nô­mico. A França, cuja situação é representativa dos países nos quais a fecundidade dos adolescentes é significantemente baixa, é utili­zada como ponto de comparação. Laura Lee Downs, Rebecca Rogers e Françoise Thébaud Gender Studies et Estudos de Gênero : o gap Travail, Genre et Societés solicitou a três historiadoras – das quais duas franco-estadunidenses – que refletissem juntas sobre a seguinte questão : « como e por que os estudos de gênero, os estudos sobre sexualidade e sobre mulheres se desenvolveram de forma tão diferente dos dois lados do Atlântico ? » Diversas dimensões da questão são abordadas na entrevista a três vozes que resulta desse pedido: a ideia de um atraso francês na matéria se comparado ao avanço estadunidense ; bloqueios e resistências institucionais ; papel das revistas e das redes de amigo(a)s ou de militantes na circulação transatlântica das ideias; pluralidade de perspectivas que caracterizam estes estudos dos dois lados do Atlântico. Através dessa discussão rica e variada, vemos clara­mente o papel pioneiro dos estudos de gênero na evolução epistemológica das ciências humanas desde os anos 70. Marie Duru-Bellat A educação de meninas nos Estados Unidos e na França Este texto apresenta de maneira sucinta os debates que ocorreram nos Estados Unidos e na França sobre dois grandes aspectos da educação de meninas: por um lado a educação formal, quanto a sua organização em classes de co-educação ou não e, por outro, a educação mais informal, realizada pelas mídias, vestimentas, jogos… No que diz respeito à co-educação, a perspectiva estaduni­dense se apóia sobre considerações biologizantes ou empíricas, enquanto que na França dominam as considerações de princípio. Quanto à tendência a uma sexualização cada vez mais marcada e precoce de meninas, ela é amplamente demonstrada e debatida nos Estados Unidos, enquanto que, na França, continua em segundo plano. Atrás desses debates, existem verdadeiras clivagens entre aqueles e aquelas que apregoam a semelhança e a indiferenciação entre homens e mulheres, e aqueles e aquelas que, ao contrário, defendem que as diferenças à respeitar sejam exibidas e até mesmo sejam promovidas pela via da educação. Linda K. Kerber A história das mulheres nos Estados Unidos : uma história de direitos humanos Há duzentos anos, quase todas as questões tratadas pelas feministas são de direitos humanos. A tradição jurídica nos Estados Unidos está saturada do conceito de “coverture ”, a saber, leis que pretendem proteger os interesses das mulheres, mas que, na realidade, limitam sua autonomia e sua participação na comunidade política. A autoridade dos cônjuges prevê poderes tanto extensivos quanto arbitrários sobre o corpo e os bens de suas mulheres. Consequentemente, a rejeição de um amplo leque de direitos humanos às mulheres parece fazer parte da ordem natural. As mulheres então tiveram que nomear suas queixas, elaborar as bases filosóficas de suas reivindicações, começar a luta política pela igualdade. Nos anos 60 e 70, o direito estadunidense evoluiu na maneira de conceber os direitos e obrigações das mulheres. Leis, que antes eram entendidas como protetoras, foram desde então interpretadas como discriminatórias, o que deixou o direito esta­duni­dense mais próximo dos princípios da Declaração universal de direitos humanos. No entanto, a herança da “coverture” nunca foi completamente erradicada, sobretudo no que concerne a reprodução assim como as violências domésticas. Marie Mercat-Bruns Discriminação baseada no sexo nos Estados Unidos: uma noção jurídica sobtensão A luta contra as discriminações raciais nos Estados Unidos serviu, inicialmente, de modelo, por analogia, à construção de um corpo jurídico próprio aos direitos das mulheres. Contudo, esta analogia entre raça e sexo se deparou com alguns limites, especialmente de caráter constitucional. À primeira vista, esta visão menos ambi­ciosa da igualdade entre homens e mulheres parece desapontar a causa feminista. No entanto, no fim das contas, ela se revela bené­fica no que concerne certos avanços legislativos que ela permitiu e que beneficiaram, por sua vez, graças à jurisprudência, a causa dos Negros estadunidenses. Desde os anos 70, a reflexão jurídica, de inspiração foucaltiana, sobre a doutrina americana, faz emergirem as relações de poder inerentes à luta contra as discriminações fun­da­das sobre o sexo, e as tensões que suscitam o direito entre a igualdade concreta e a igualdade formal. Mas essas interrogações não são uma ameaça que recai sobre o debate feminista. A aparição do critério de gênero em direito, ao lado do sexo e o interesse que suscitam a parentalidade e as discriminações sistêmicas, além das discriminações individuais fundadas sobre o sexo, não são, de modo algum, um repúdio às regras que visam especificamente as mulheres. Renovar o debate jurídico feminista sobre o sexo e até mesmo enriquecê-lo é uma oportunidade a ser aproveitada. Hélène Périvier Trabalhem ou casem-se ! O artigo apresenta uma análise sexuada da evolução dos direitos e deveres que ligam as pessoas que recebem ajuda social e o Estado na França e nos Estados Unidos. Nos dois países, durante muito tempo, a contrapartida exigida pela solidariedade nacional se baseou, para as mulheres, sobre seu papel de “mãe”, e, para os homens sobre o papel de “provedor de recursos da família”. As reformas sucessivas dos programas de luta contra a pobreza nos Estados Unidos e na França modificaram a natureza dessas obrigações, reforçando, nos dois casos, a lógica do mérito via exigência de inserção no emprego, característica mais marcante nos Estados Unidos que na França. A injunção à autonomia concerne doravante mulheres e homens, mas poupa as mulheres casadas, cuja a inatividade é aceita e mesmo encorajada pelos dispositivos sociais e fiscais. Abigail C. Saguy As concepções jurídicas de Assédio Sexual na França e nos Estados Unidos Quando o antigo diretor do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss Kahn (dsk), foi preso por tentativa de estupro contra uma camareira de um hotel Sofitel em Nova Iorque em maio de 2011, especulou-se sobre o papel desempenhado pelas diferenças de atitude em relação à sexualidade na França e nos Estados Unidos. Este artigo explica que se o escândalo tinha mais possibilidades de sobrevir em Nova Iorque que em Paris, isso se deve muito mais às diferenças jurídicas que às diferenças culturais intemporais entre os dois países. Nos Estados Unidos, a responsa­bilidade do empregador é implicada nos casos de assédio sexual, o que incitou as empresas a instaurarem regulamentos internos e códigos de conduta. Completado pela lei de 1994 sobre a violência contra as mulheres (Violence Against Women Act , vawa), esse dispositivo permitiu uma maior tomada de consciência do proble­ma do assédio e da violência sexuais. Em contrapartida, na França, onde a responsabilidade do empregador é mínima, as empresas quase não tomaram medidas contra o assédio sexual, protelando assim a tomada de consciência da opinião pública. É em razão dessa diferença que uma denúncia por assédio sexual tinha mais chances de ser feita em Nova Iorque que em Paris. O artigo afirma, entretanto que, chamando atenção sobre a questão da violência sexual, o caso dsk – ao qual se somou em março de 2012 um indi­cia­mento por proxenetismo em quadrilha – poderia ele mesmo contribuir na modificação do quadro jurídico francês e a reforçar a proteção das vítimas de violência sexual.

N° 25/2011 Sul(b) exploradas Marie-Laure Coubès Crise internacional e emprego industrial feminino no México A segregação sexual nos empregos protege as mulheres em tempos de crise? Ou, ao contrário, as mulheres são consideradas como um tradicional exército industrial de reserva mais vulne­rá­veis à recessão ? A partir do exemplo do emprego na indústria maquiladora de exportação no México durante a crise mundial 2008-2009, o artigo discute o impacto da crise econômica nos empregos das mulheres no mercado de trabalho globalizado. Os dados utilizados são da pesquisa nacional do emprego realizada trimestralmente de 2007 a 2010 que permite uma análise precisa da ocupação de homens e de mulheres nos quarto principais setores da indústria de exportação. Jules Falquet Pensar a mundialização numa perspectiva feminista O artigo propõe uma análise sintética da mundialização neo­liberal na perspectiva feminista proposta pelas análises feminis­tas materialistas francófonas, na teorização da imbricação das relações sociais de poder, e na corrente feminista autônoma latino-americana e do Caribe. A discussão é focada em quatro tópicos. 1) O capitalismo é um aliado real da igualdade entre os sexos ? Ou aprofunda as disparidades, reorganizando as desi­gualdades de sexo, de “raça” e de classe? 2) As mulheres no desastre ambiental, na guerra industrial no mundo rural, no êxodo rural e na urbanização forçada. 3) A imposição de um “de­sen­­volvimento” favorável às mulheres, em torno da mono­cultura de exportação, da exploração do subsolo, das zonas francas e do turismo. 4) O continuum neoliberal da violência militar-masculina, que cria, fomenta e confronta os “homens em armas” e as “mulheres serviçais”. Isabelle Guérin Os efeitos insuspeitos da micro finança Baseado em vários anos de pesquisa no sul da Índia, o artigo mostra que os efeitos da micro finança são antes de tudo de natureza política. No nível macro, a micro finança indiana é amplamente promovida pelas autoridades públicas por duas razões principais. Ao mesmo tempo em que permite respeitar os preceitos neoliberais, a micro finança é uma ferramenta popu­lista ao serviço dos partidos no poder e dos que pretendem ocupá-lo. No nível dos territórios é possível observar certa quantidade de redes e associações diversas e variadas (de natureza politica, religiosa, comunitária) que se apoderam da micro finança para reforçar o controle sobre as populações locais. Finalmente, no nível micro local dos « beneficiários », a micro finança participa da emergência ou do reforço de trajetó­rias políticas locais, inclusive para as mulheres e categorias mais marginalizadas como as baixas castas. No entanto, essa emer­gência de mulheres líderes não conduz a nenhuma forma de mobilização coletiva: ela contribui principalmente para reforçar os sistemas “filantrópicos patronais” e clientelistas locais. Elodie Jauneau As mulheres na 2a Divisão Blindada do General Leclerc Em 1943, em Nova Iorque, Florence Conrad, uma rica estado-unidense apoiada pelas potentes ligas feministas adquire diver­sas ambulâncias mais tarde batizadas « Grupo Rochambeau ». Seu objetivo é de constituir uma unidade de mulheres moto­ristas de ambulâncias e de aliar-se à França Livre na África do Norte. Depois do recrutamento de voluntárias em Nova Iorque e no Marrocos, a unidade se engaja na 2a Divisão Blindada do General Leclerc. O itinerário dessas mulheres, que desconsi­deravam as leis de gênero em território masculino, se expande nos quatro continentes ao ritmo da liberação da França e da guerra da Indochina. Este artigo propõe apresentar essas pionei­ras da feminilização das Forças Armadas Francesas. Mobiliza­das numa unidade de combate, atrizes da Liberação, solda­das na Indochina, essas mulheres, embora sem armas, foram solda­das pioneiras. No final dos dois conflitos, a questão do devir dessas mulheres e da memória da “pátria reconhecida” ilustra as dificuldades que a França tem para incorporar nas fileiras dos seus heróis, heroínas. Marie Lesclingand Migrações de moças ao Mali: exploração ou emancipação? As migrações femininas de natureza econômica em expansão há várias décadas são fortemente ligadas ao mercado doméstico. Assim, no Mali, moças vindas de zonas rurais migram aos grandes centros urbanos onde elas são empregadas como domésticas por particulares. Num povoado rural do Mali, esse tipo de mobilidade teve um aumento espetacular desde o final dos anos 1980. Este artigo analisa o seu desenvolvimento a partir de dados de pesqui­sas realizadas tanto junto às populações rurais do Mali quanto a Bamako, destinação principal dessas migrações. A confrontação de diferentes pontos de vista e de discursos permite relativizar uma perspectiva ”miserabilista” que associa mobili­dade feminina e trabalho infantil a formas de prostituição e de exploração, eviden­ciando os aspectos formadores e emancipado­res dessas experiên­cias migratórias. N° 26/2011 Entendimentos nos serviços da casa? Thomas Amossé ;e Gaël de Peretti Homens e mulheres na vida doméstica estatística: uma valsa em três tempos As categorias estatísticas participam à sua maneira das represen­tações sociais. Acompanhar suas mudanças é uma forma de observar as mutações de uma sociedade. Através das noções ‘de “domicílio” e de “indivíduo”, nós propomos uma história em três tempos do espaço concedido pela estatística às categorias de sexo. Do pós-guerra aos anos 1970, as mulheres são pouco visíveis, ocultas atrás do “chefe da família” ou relegadas ao papel de mãe e a suas funções reprodutoras. Na virada dos anos 70, a estatística passa a se concentrar progressivamente nos indivíduos e revela desigualdades entre homens e mulheres que precisam ser redu­zidas. Enfim, mais recentemente, a questão do lugar dos indiví­duos no seio das famílias e dos domicílios e da articulação dos papéis dos homens e das mulheres se impõe à sociologia e à economia. Já não se trata somente de revelar desigualdades que ainda persistem em certos campos, mas de compreender como se constroem as diferenças no próprio seio dos casais. Com este terceiro tempo, a estatística se torna menos normativa, as orienta­ções políticas incertas, as controvérsias científicas vivas. Nós ainda estamos no início deste período. Nesse sentido, sem duvida, ainda ha muita arrumação (ménage) a ser feita. Olivier Donni e Sophie Ponthieux Perspectivas econômicas do domicílio: do modelo unitário às decisões coletivas Este artigo propõe um olhar sobre a forma como a abordagem econômica ortodoxa descreve o comportamento dos domicílios. Num primeiro momento, o modelo de comportamento do indiví­duo foi simplesmente transposto ao nível do domicílio: é o que chamamos de perspectiva “unitária”. No entanto, dada a limitação dessa maneira de proceder, como a ausência de justificativas teóricas convincentes da agregação necessária das preferências indivi­duais, e da rejeição de previsões geradas por ela, os economistas desenvolveram uma abordagem mais geral, dita “coletiva”. Baseada unicamente na hipótese da eficácia da alocação dos recursos, ela leva em consideração vários tomadores de decisão no domicílio. As pesquisas mais recentes consideram novas genera­lizações nas quais a situação eficaz é somente um caso particular. Florence Jany-Catrice e Dominique Méda Mulheres e riqueza: além do pib A medida mais utilizada atualmente para avaliar a riqueza de um país é o Produto Interno Bruto, que representa o valor monetário dos bens e serviços fabricados em um ano dado. Esse indicador foi criado no final da Segunda Guerra Mundial. Como todos os indicadores, ele surgiu de “convenções”, entre elas a de não considerar como parte da riqueza nacional as atividades realizadas nos domicílios, que ficaram por muito tempo somente a cargo das mulheres, ainda hoje sua repartição continua sendo muito desequilibrada entre as mulheres e os homens. O artigo pretende no primeiro momento voltar à questão das razões – implícitas ou explícitas – dessa exclusão. Em seguida, ele apresenta uma das maneiras de fazer justiça a certas reivindicações feministas que consideram legítimo levar em conta a medida da contribuição da produção doméstica à riqueza nacional realizando uma estimativa monetária. Depois de verificar diferentes métodos de estimativa, até a mais recente, proposta pela Comissão Stiglitz e a ocde, assim como suas vantagens e inconvenientes, analisamos na última parte uma outra maneira de superar as limitações intrínsecas ao pib: o desenvolvimento de novos indicadores mais focados na saúde social, pretendendo de maneira exploratória, chegar a métodos mais apurados para melhor levar em consideração as desigual­dades entre homens e mulheres. Abir Kréfa Corpo e sexualidade na obra das escritoras tunisianas A partir de umas trinta entrevistas semi-diretivas realizadas com escritore.a.s tunisiano.a.s contemporâneo.a.s e da assim como da análise de romances publicados por escritore.a.s, o artigo mostra como a exclusão das mulheres do espaço literário não se explica unicamente pelas dificuldades a conciliar encargos domésticos e atividade criadora. Ainda que a expressão literária do corpo e da sexualidade faça parte das expectativas de críticos e pares e seja um critério importante de avaliação de uma “boa” obra, as escri­toras devem enfrentar uma censura social disseminada, particu­larmente forte nos espaços familiar e conjugal. O acesso de certas romancistas ao reconhecimento literário é condicionado pelas diferentes estratégias que elas conseguiram colocar em prática, tanto nas suas interações ordinárias com os que as cercam quanto nos seus textos romanescos. Danièle Meulders e Síle O’Dorchai Quando só conta o domicilio Nosso objetivo é evidenciar as hipóteses que sustentam as análises relativas à distribuição da renda e à pobreza e mostrar como elas enviesam os resultados obtidos. Essas hipóteses conduzem a subes­timar, ou mesmo a ocultar, os riscos de pobreza das mulheres. As consequências são ilustradas através de três exem­plos de “maus cálculos”, que mostram a cegueira em relação à situação específica das mulheres. O primeiro se refere à estimação do risco de pobreza e mostra a variação das estimativas quando se leva em conta a renda domiciliar ou as rendas individuais. O segundo é relativo aos efeitos de uma quebra na renda dos membros do domicílio, e mostra que os resultados dos cálculos tradicionais subestimam a capacidade das mulheres de viver sozinhas. O último exemplo se refere aos trabalhadores pobres, frequentemente homens segundo o enfoque tradicional, embora a situação das mulheres no mercado de trabalho seja mais precária. Marianne Thivend As moças nas Escolas superiores de comercio na França no entre-guerras Nove Escolas Superiores de Comércio (esc) do interior se abrem às moças a partir de 1915. Até os anos 50, elas representam aproxima­damente um quarto dos alunos das esc mistas. Este artigo procura compreender como elas foram acolhidas nestas escolas. Quais foram as suas trajetórias escolares em um contexto misto “fabri­cado”, que tenta estabelecer trajetórias específicas para as mulheres (secretaria de direção) no contexto da formação geral dos futuros chefes e diretores de empresas. Todos e todas saem das Escolas com este único diploma, e as jovens, majoritariamente vindas das classes médias, das fileiras da escola normal e do segundo grau, obtêm melhores resultados que os jovens. Mas o uso profissional que elas fazem do diploma é mais difícil de ser definido. Segundo as listas de ex-alunos, o leque de profissões é menos vasta para as mulheres do que para os homens, mas a presença de mulheres gestoras, de chefes mulheres, e de executivas entre as ex-alunas mostra que esses percursos profissionais são doravante possíveis para uma parte das diplomadas. Laurent Toulemon Indivíduo, domicílio, família, moradia: contá-los, descrevê-los Há quarenta anos, os domicílios vêm sendo aparentemente simpli­ficados: diminuição gradativa do tamanho médio, redução dos domicílios ditos “complexos”. No entanto, certas situações indivi­duais não são apreendidas pelos recenseamentos, que alocam cada habitante a um domicílio e somente um. Um rápido apanhado das principais mudanças observadas nos últimos quarenta anos é acompanhado de uma comparação mais pormenorizada dos contextos familiares como eles aparecem nas grandes pesquisas estatísticas do Insee: o recenseamento, a pes­quisa sobre Emprego, e outras pesquisas domiciliares, que utilizam todas um mesmo “tronco comum”, a nova versão contem infor­mações muito precisas sobre as relações no interior dos domicílios e as multi-residências. Sobressai-se desses dados que os homens vivem com mais frequência que as mulheres em situações inde­finidas: multi-residências, casal que não coabita, crianças residindo em tempo parcial nos casos de separação dos pais.